São Paulo diz que foi como que crucificado com Cristo na
cruz. Mas como a pessoa pode ter coragem de dizer isso? É a experiência do amor
de Deus e a fé. Gálatas 2, 20: “Eu vivo, mas não eu, é Cristo que vive em mim.
Minha vida atual na carne eu a vivo na fé.”
Muitos de nós já fizemos uma experiência do amor de Deus.
Mas o problema é que a experiência do batismo no Espírito Santo é algo muito
bom, mas que evapora. Isso quer dizer que tudo aquilo que é sentimento ou
experiência humana é passageiro. Os sentimentos são efêmeros, não permanecem.
Mas a fé no amor de Deus deve permanecer para sempre. Eu preciso crer nisso:
Ele me amou. É preciso fazer uma distinção entre sentir o amor de Deus e crer
no amor de Deus. No início fazemos uma experiência, mas depois Deus tira a
"mamadeira". É porque Ele quer que cresçamos espiritualmente.
Começamos então a caminhar na fé, sem sentir a presença de Deus.
"Com Cristo fui pregado na cruz" Paulo, diz que a
vida atual na carne, ele vive na fé, crendo em Jesus. Quando fui seminarista em
Roma, estava no refeitório e comigo estava um bispo da Bahia. Era véspera da
festa de São Januário, que foi um santo decapitado, no sul da Itália. Eles
colheram o sangue dele e guardaram numa ampola de vidro. Todos os anos na festa
de São Januário esse sangue vira líquido outra vez, na catedral de Nápolis.
Estávamos, portanto, comentando esse milagre na mesa e alguns diziam que não
acreditavam, outros que acreditam. E aquele bispo ao meu lado disse: "Eu
não posso ter fé no milagre de São Januário! Eu não posse ter fé porque eu vi,
eu estava lá. Eu vi quando aquela ampola seca começou a se liqüefazer. Vi
quando o bispo pegou a ampola e se aproximou do túmulo onde ele está sepultado.
Aquele sangue seco voltou a ficar líquido".
Fé, portanto, é acreditar naquilo que não se vê. Assim
também nós temos que crer no amor de Deus. É preciso um ato de fé. Sim, você
pode ter experimentado o amor de Deus, mas também quando a experiência humana
for embora, você pode duvidar. Por isso é preciso crer concretamente no amor de
Deus.
Vou percorrer todo um caminho para que você entenda o que é
crer no amor de Deus. Gálatas 1, 15: "Deus me separou desde o ventre
materno e me chamou por sua graça. Deus me separou desde toda a
eternidade." Quando São Paulo tinha mais ou menos 30 anos que ele foi
"atropelado" no caminho para Damasco, mas Paulo crê que ele já havia
sido separado por Deus desde o ventre materno, desde o início de sua
existência.
Deus poderia ter escolhido pessoas melhores do que nós.
Podia sim. Mas Ele não quis, porque o preço seria muito alto. Nós,
simplesmente, não existiríamos. Vou fazer uma comparação: imagine Deus entrando
numa loja bem sofisticada, de vasos preciosos e olhando vaso por vaso: um vaso
de ouro, com brilhantes, de porcelana, da China, outro de prata e marfim, de
milhões de dólares. Ele, porém, não escolhe nenhum desses vasos. Ao contrário,
atravessa a loja, desce até o porão e vai ao banheiro dos empregados e pega um
penico, um penico velho, enferrujado, sujo, com moscas ao redor. Esse penico
sou eu, é você.
Deus nos escolheu, Deus nos quis. Poderia ter escolhido
coisa muito melhor. "Esse penico? E o vaso de marfim, o de ouro?" E
Ele diz: "Mas eu não amei nenhum desses vasos preciosos, eu amei você, eu
te escolhi." É a eleição de Deus. Éramos vasos da ira, "penicos
sujos", mas agora somos vasos da eleição. São Paulo é quem diz. Ele nos
escolheu e colocou um tesouro dentro desse "penico sujo", o tesouro
do seu amor. Mas nós não aceitamos isso, porque queremos ser amados por nossos
méritos. Só aceitamos ser amados se realmente valemos a pena. Parece humilhante
sermos amados no meio das nossas misérias, mas Ele nos ama assim mesmo. Ele não
espera a nossa conversão para nos amar.
Paulo fez uma experiência de Deus quando ainda não merecia
esse amor, no momento em que perseguia Jesus. Ali ele fez a experiência de ser
amado. Essa experiência de ser amado quando eu não mereço, é a verdadeira
experiência do amor de Deus, o amor que está no Evangelho. Se Deus só nos
amasse quando fôssemos santos, estaríamos perdidos. Ele nos ama na nossa
miséria, no nosso fracasso, na nossa falta de dignidade. No entanto, somos
rebeldes e não aceitamos isso. Às vezes achamos que somos conselheiros de Deus.
Mas quem seria o conselheiro de Deus? Certamente não nós. Se fôssemos
aconselhar Deus, como seria a nossa vida? Quando queremos comprar um carro
vamos à concessionária e escolhemos todos os detalhes. Imagine se Deus
colocasse você diante de um computador para você mesmo montar você. Eu tenho
certeza que não me montaria desse jeito. "Careca não, esse tórax
não." Quanto à alma, também escolheríamos ser mais inteligentes, mais
talentosos. Eu escolheria ser pianista, como minha mãe.
Se nós pudéssemos nos montar, seríamos diferentes. E aí está
a rebeldia. Nós queremos ser os conselheiros de Deus. "Se eu fosse Deus,
faria diferente." É uma prepotência tamanha. Não somos conselheiros de
Deus. Ele, o Deus de bondade, sabe o que é melhor. Preciso crer que Deus fez
bem em me querer, me escolher. Eu não teria me escolhido, mas eu preciso crer
que fui a melhor escolha.
Tenho que ser humilde diante da infinita sabedoria de Deus e
dizer: "Senhor, sabeis mais do que eu. Amém ao vosso santo desígnio.
Fizestes muito bem ao me criar." É o primeiro passo para crer no amor de
Deus: Deus fez bem em me criar assim, com todos esses "defeitos de
fábrica". Ele preferiu criar essa humanidade frágil do que nós não
existirmos. Creia que Deus escolheu você porque o amou. Se você crê nisso pode
se dar de presente para os outros.
Às vezes achamos que São Paulo era um super pregador. Mas
não é isso que ele mesmo diz. Na segunda carta aos Coríntios ele diz que não
sabe pregar. Nos Atos dos Apóstolos, um rapaz estava ouvindo sua pregação,
cochilou, caiu da janela e morreu. São Paulo então rezou e ressuscitou o
menino. Mas Paulo foi um grande pregador porque pregava com a vida, com sua
entrega, com seu desprendimento em viver a Palavra de Deus. Ele passou por
flagelações, apedrejamentos, naufrágios, vários perigos, ficou dias em alto
mar. O que levava esse homem a atravessar o mundo? O amor de Deus que o
impulsionava.
Uma vez que descobrimos como fomos amados, eleitos,
escolhidos, queremos levar essa notícia a outras pessoas. Mas não somente isso:
você quer se dar de presente aos outros. Quando você vai dar um presente a
alguém com certeza escolhe sempre o melhor. Por isso que, para você se doar de
presente a alguém precisa estar convencido de que você vale a pena. O ciúme no
casamento, por exemplo, é um exemplo de insegurança pessoal: quando o homem
tranca a mulher em casa é como se ele achasse que qualquer homem é melhor do
que ele.
Quando faço uma experiência de Deus, começo a crer que eu
valho a pena', afirma padre Paulo
Quando faço uma experiência de Deus, começo a crer que eu
valho a pena. Crer no invisível. Olho para mim e não vejo que vale a pena.
Humanamente falando, eu não valho, não deveria existir. Se eu tivesse que
escolher alguém para nascer, não me escolheria. Mas creio que Ele escolheu bem,
porque Ele vê o que eu não vejo, na sua sabedoria infinita. Assim como não vejo
a presença de Jesus na Eucaristia, mas creio. No livro Introdução ao
Cristianismo, o Papa Bento XVI, diz: "O invisível é mais importante do que
o visível".
Quando vejo a minha miséria mas creio no amor de Deus por
mim, posso me dar de presente para os outros. Vou partilhar um segredo: No PHN
eu estive aqui, o Centro de Evangelização lotado, cheio de jovens e eu pregando
naquele encontro, os jovens aplaudindo, parecia um show de rock, e eu aqui na
frente. Naquele momento Deus permitiu que eu me sentisse um monte de esterco,
estrume mal cheiroso, com moscas ao redor e o povo aplaudindo. Eu pensava: se
eles soubessem quem eu sou, a minha miséria, não estariam me aplaudindo. Se
eles vissem a minha alma não estariam me aplaudindo. Mas eles estavam
aplaudindo o tesouro de dentro, escondido dentro da minha miséria.
Tenho que crer que Deus colocou um tesouro dentro desses
vasos de ira que somos e nos transformou em tesouros de eleição. É por isso que
podemos nos dar de presente. Deus nos ama e a experiência extraordinária de
sermos amados por Deus é que permite que nós nos demos de presente aos outros.
Pare de andar nessa vida cobrando amor dos outros. Você não precisa do amor de
ninguém, você já é amado. "Ah, mas eu não sinto!" Simplesmente creia!
Olhe para a sua miséria, mas olhe para o coração de Deus e veja que é amado
além dessa miséria. Não seja rebelde, não queira aconselhar Deus a refazer
você.
E como essa "segurança do amor de Deus por mim"
influencia na nossa vida. Quando somos seguros de que valemos a pena, sabemos
que não seremos trocados por ninguém. Sei que sou um presente. Isso muda
completamente a vida familiar. Deixamos de ficar cobrando uns aos outros. Nossa
vida familiar às vezes vira um inferno porque ficamos recriminando uns aos
outros, colocamos a culpa uns nos outros porque não nos sentimos amados. O amor
precisa ser crido e não sentido. Se não, duvidamos até do amor da nossa mãe por
nós.
É preciso crer no amor. Se você não crê no amor de Deus,
também não vai crer na entrega d'Ele na cruz. Vai achar que tudo é uma bobagem.
São Paulo aos Gálatas diz: "minha vida atual na carne eu vivo na fé,
crendo no filho de Deus que amou e se entregou por mim." Santa Terezinha
diz: "se eu fosse a única pecadora do mundo, mesmo assim Jesus teria
padecido por mim." Você não é amado numa multidão. Não dilua o amor de
Deus em uma multidão. Tudo foi por mim, por você. Por que Ele fez tudo isso?
Porque quer passar a eternidade conosco.
Estamos esquecidos do céu. Em todos os tempos da Igreja os
cristãos se preocupavam com a salvação das almas. Era por isso que atravessavam
os mares. No século XX, os salesianos foram para o Mato Groso. Saíram da Itália
para Cuiabá. Naquela época, década de 30, sair da Europa e ir para Cuiabá era
algo impensável. Vieram de navio, depois pegaram vários barcos. Quando saíram
da Itália disseram: "papai, mamãe, adeus, nós nos veremos no céu." De
fato, muitos nunca mais viram o pai e a mãe. Isso é fé! É crer que a vida
invisível que nos espera no Céu vale mais que a vida visível.
Fé é crer que a felicidade eterna junto aos meus pais no céu
é muito melhor que a convivência com eles na terra. Foi isso que levou São
Paulo a se derramar em libação (sacrifício de um líquido derramado). Essa é a
coragem de tantos santos e santas de Deus que atravessaram mares para levar o
Evangelho. Vale muito mais a vida do céu.
Muitos querem que a Igreja permita que os padres se casem.
Mas se isso acontecesse, a pregação dos padres iria perder muito do seu poder,
sua eficácia. Como dizer que a felicidade do céu é maior se eu já antecipo um
gozo aqui na terra com minha família? Eu preciso testemunhar que a felicidade
do céu é capaz de fazer com que eu me entregue a Ele por inteiro. É a fé no
céu. Somente assim vai ter sentido todo o sacrifício que temos que fazer pelos outros.
Se não há ressurreição, vamos apenas aproveitar a vida. Mas
se existe o céu, eu posso dar de presente a minha vida para os outros, porque
terei outra vida para viver e posso assim, desprezar essa vida aqui na terra,
posso entregá-la de presente. É essa a verdadeira experiência vocacional e a
experiência de ser família também. É doação: creio que Deus se doou por mim e
por isso me dou de presente aos outros, crendo na vida que nos espera na
eternidade.
Peçamos ao Senhor que venha confirmar a fé que temos no seu
amor. A fé é uma virtude. É preciso repetir o ato de fé até que se torne um
hábito. É preciso crer no amor de Deus. Coloque-se debaixo do olhar de Deus.
Ele olha para você e vê a sua miséria. Sinta-se olhado e veja que você não
merece esse amor. Pense nas razões pelas quais você escolheria ser outra
pessoa, viver outra vida e diga: "Senhor eu creio, mas aumentai a minha
fé. Senhor, eu olho para mim e não entendo porque vós me escolhestes. No
entanto, Senhor, eu creio. Fizestes bem em me querer, em me escolher. Foi bom
que me chamastes para caminhar nesta vida, na fé do vosso amor. Não vejo, não
sinto, mas eu creio nesse amor. É um ato de vontade unido à vossa graça. Amém
ao amor de Cristo que me alcançou no meio dos meus pecados, da minha miséria.
Sei que me chamastes para uma vida ao vosso lado no céu. Eis-me aqui
Senhor."
Padre Paulo Ricardo