Os discípulos de Jesus são chamados
a fazer suas escolhas
“Senhor, dono das panelas e
marmitas, não posso ser a santa que medita aos vossos pés. Não posso bordar
toalhas para o vosso altar. Então, que eu seja santa ao pé do fogão. Que o teu
amor esquente a chama que eu acendi e faça calar minha vontade de gemer a minha
miséria. Eu tenho as mãos de Marta, mas quero também ter a alma de Maria.
Quando eu lavar o chão, lava, Senhor, os meus pecados. Quando eu puser na mesa
a comida, come também, Senhor, junto conosco. É ao meu Senhor que sirvo,
servindo minha família”.
Encontrei essa oração de uma
camponesa de Madagascar, que nos abre a compreensão de uma bela página do
Evangelho (cf. Lc 10, 38-42), da qual emergem preciosas lições para o nosso
cotidiano.
Os discípulos de Jesus são chamados
a fazer suas escolhas, provocados em sua liberdade. Os que foram chamados pelo
Senhor tinham feito sua primeira experiência missionária, da qual retornam
repletos de alegria e são contagiados pela exultação de Cristo, que louva o Pai
do Céu (cf. Lc 10, 21-24). Em seguida, aprendem os dois mandamentos principais
do amor a Deus e ao próximo, acolhendo o impulso missionário que os fará
próximos daqueles dos quais se aproximarem (cf. Lc 10, 25-37), unindo a oração
e a contemplação no episódio da casa de Marta, Maria e Lázaro. Enfim, a série
de lições se completa com o ensinamento sobre a oração e a entrega do “Pai
nosso”, a ser levado pela vida afora como um verdadeiro tesouro (cf. Lc 11,
1-13).
De Marta e Maria já se falou muito.
E a figura daquela que se encontra acocorada aos pés de Jesus para ouvir Sua
Palavra tornou-se até uma carta magna da vida monástica e eremítica, consagrada
à oração e à meditação da Palavra de Deus. Mas a página do Evangelho de Marta e
Maria não foi escrita só para monges, tendo em vista que não existiam ainda!
Ela foi escrita para todos os discípulos de Jesus de todos os tempos.
Jesus, que recomenda reconhecer Sua
presença nos irmãos a quem servimos, não reprova o serviço prestado por Marta.
Chama sua atenção porque não se ocupa do necessário serviço, mas se
“pré-ocupa”, porque é uma pessoa agitada. Jesus deseja ver-nos curados do
ativismo, não da atividade justa e necessária! Mas em nosso tempo, reconheçamos
logo, a agitação não é tanto escolhida, mas praticamente imposta pelo ritmo
frenético do dia a dia. Basta ver o estresse a que são submissas tantas pessoas
que passam horas e horas no trânsito, às quais se ajunta o tempo dedicado ao
trabalho. Entende-se, assim, o desejo de recolher-se em locais mais tranquilos,
fazendo com que o final de semana traga consigo o esvaziamento das cidades, com
levas de pessoas que buscam refúgio, numa forma, quem sabe secularizada, de
contemplação!
O equilíbrio é ideal a ser
alcançado à custa de muito esforço, tarefa a ser assumida ao longo da vida.
Dentro da agitação da Marta do Evangelho encontra-se uma virtude, tantas vezes
esquecida, a hospitalidade. “Não vos esqueçais da hospitalidade, pela qual
algumas pessoas, sem o saberem, hospedaram anjos” (Hb 13, 2). A Carta aos
Hebreus se referia ao importante episódio de Abraão recebendo hóspedes
ilustres, portadores da promessa da posteridade (cf. Gn 18, 1-10). Marta,
modelo da hospitalidade, mesmo agitada, é santa, que a Igreja celebra a cada
ano no dia 29 de julho. Dela acolhemos o convite para praticar essa virtude,
para abrir corações que, por sua vez, abram portas!
Vale receber as pessoas em nossa
casa, valorizar os momentos gratuitos de convivência. Vale a atenção, quem sabe
muito rápida, mas intensa, com a qual saudamos as pessoas que estão ao nosso
lado num meio de transporte público ou nas ruas e vielas, elevadores e
corredores da vida. É hospitalidade o "bom dia" e o sorriso no início
do trabalho. Hospitalidade é capacidade de ouvir, dar atenção, perder tempo.
Hospitalidade é a Santa Missa de
domingo, bem preparada e vivida em nossas paróquias, na qual as pessoas se
restauram com a Palavra e o Pão da Vida. Hospitalidade é a oportuna Pastoral da
Acolhida, hoje implantada, em tantos lugares, muitas vezes, exercida pelas
“guardas” existentes na maioria de nossas paróquias. Hospitalidade é ter
igrejas de portas abertas, para os peregrinos do cotidiano, sedentos de
silêncio e recolhimento. Hospitalidade é olhar, abraço e carinho, Marta e
Maria, irmãs e santas, sinais de um relacionamento mais profundo, no qual Céu e
terra se encontram.
Dom Alberto Taveira Corrêa