sábado, 23 de junho de 2012

Perfil das pessoas consagradas



Na escola de Cristo mestre   


"A vida consagrada, profundamente arraigada nos exemplos e ensinamentos de Cristo Senhor, é um dom de Deus Pai à sua Igreja, por meio do Espírito. Através da profissão dos conselhos evangélicos, os traços característicos de Jesus casto, pobre e obediente adquirem uma típica e permanente "visibilidade" no meio do mundo, e o olhar dos fiéis é atraído para aquele mistério do Reino de Deus que já atua na história, mas aguarda a sua plena realização nos céus". A finalidade da vida consagrada é a "configuração com o Senhor Jesus e com a sua oblação total", de quem cada pessoa consagrada é chamada a assumir "os seus sentimentos e forma de vida",o modo de pensar e de agir, de ser e de amar.
A imediata referência a Cristo e a natureza íntima de dom para a Igreja e para o mundo, são elementos que definem a identidade e a finalidade da vida consagrada. Aqui, a vida consagrada encontra, para si mesma, o ponto de partida, Deus e o seu amor, e o ponto de chegada, a comunidade humana e as suas necessidades. Através de tais elementos, cada Família religiosa delineia a própria fisionomia, da espiritualidade ao apostolado, do estilo de vida comum ao projeto ascético, à participação na riqueza dos próprios carismas.
De certo modo a vida consagrada pode ser comparada a uma escola, que cada pessoa consagrada é chamada a frequentar para toda a vida. Com efeito, ter em si os sentimentos do Filho quer dizer colocar-se cada dia na sua escola, para aprender dele a ter um coração manso e humilde, corajoso e apaixonado. Quer dizer deixar-se educar por Cristo, Verbo eterno do Pai, ser cativado por Ele, coração e centro do mundo, e escolher precisamente a sua forma de vida.
A vida da pessoa consagrada é assim uma parábola educativo-formativa que educa na verdade da vida e forma na liberdade do dom de si, segundo o modelo da Páscoa do Senhor. Cada momento da existência consagrada é parte desta parábola, no seu dúplice aspecto educativo e formativo. A pessoa consagrada, na realidade, aprende progressivamente a ter em si os sentimentos do Filho e a manifestá-los numa vida sempre mais conforme a Ele, a nível individual e comunitário, na formação inicial e permanente. Deste modo, os votos são expressão do estilo de vida essencial, virgem e completamente abandonado ao Pai, escolhido por Jesus sobre esta terra. A oração torna-se continuação, na terra, do louvor do Filho ao Pai, pela salvação da humanidade inteira. A vida comum é a demonstração que no nome do Senhor se podem ligar vínculos mais fortes do que aqueles que provêm da carne e do sangue, capazes de superar quanto possa dividir. O apostolado é o anúncio apaixonado daquele pelo qual se foi conquistado.
A escola dos sentimentos do Filho abre progressivamente, a existência consagrada também à urgência do testemunho, a fim de que o dom recebido atinja a todos. Cristo, com efeito, "não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente" (Fl 2, 6), não reteve nada para si, mas dividiu com os homens a própria riqueza de ser Filho. Por tal razão, também quando o testemunho contesta alguns elementos da cultura circundante, as pessoas consagradas procuram entrar em diálogo, para partilhar os bens de que são portadores. Isto significa que o testemunho deverá ser nítido e inequívoco, claro e compreensível a todos, para mostrar assim que a consagração religiosa pode dizer muito a cada cultura, enquanto ajuda a manifestar a verdade do ser humano.

Resposta radical

Entre os desafios colocados, hoje, à vida consagrada está o de conseguir manifestar o significado igualmente antropológica da consagração. Trata-se de mostrar que uma existência pobre, casta e obediente faz ressaltar a íntima dignidade humana; que todos são chamados, de modo diverso, segundo a própria vocação, a serem pobres, obedientes e castos. Os conselhos evangélicos, com efeito, transfiguram valores e desejos autenticamente humanos, mas também tornam relativo o elemento humano, apontando "Deus como o bem absoluto". A vida consagrada, além disso, deve poder evidenciar que a mensagem evangélica possui uma notável relevância para o viver social do nosso tempo e é compreensível também para quem vive numa sociedade competitiva como a nossa. Por fim, função da vida consagrada, é conseguir testemunhar que a santidade é a proposta da mais alta humanização do homem e da história:  projeto que cada um sobre esta terra pode fazer seu.
Na medida em que as pessoas consagradas vivem, com radicalidade, o empenho da consagração comunicam as riquezas da sua específica vocação. Por outro lado, tal comunicação suscita também, em quem a recebe, a capacidade de uma resposta enriquecedora mediante a participação do seu dom pessoal e da sua vocação específica. Tal "confronto-partilha" com a Igreja e com o mundo é de grande importância para a vitalidade dos vários carismas religiosos e para uma interpretação deles ligada ao contexto atual e às respectivas raízes espirituais. É o princípio da circularidade carismática, graças ao qual o carisma torna, de certo modo, lá onde nasceu, mas sem se repetir. De tal modo, a vida consagrada se renova, na escuta e leitura dos sinais dos tempos e na fidelidade, criativa e operante, às suas origens.
A validade deste princípio é confirmada pela história:  desde sempre a vida consagrada urdiu um diálogo construtivo com a cultura circundante, às vezes interpelando-a e provocando-a, outras vezes defendendo-a e protegendo-a, deixando-se solicitar e interrogar por ela, num confronto em alguns casos dialético, mas sempre fecundo. É necessário que tal confronto continue também nestes tempos de renovação para a vida consagrada e de desorientação cultural, que corre o risco de frustrar a insuprímivel necessidade de verdade do coração humano.

Na Igreja comunhão

O aprofundamento da realidade eclesial como mistério de comunhão conduziu a Igreja, sob a ação do Espírito, a compreender-se sempre mais a si mesma, como povo de Deus a caminho e, ao mesmo tempo, como corpo de Cristo, em que os membros  estão  em  recíproca  relação  entre  si  e  com a cabeça.
O plano pastoral, "fazer da Igreja a casa e a escola da comunhão" é o grande desafio que, no início do novo milénio, é necessário enfrentar para ser fiel ao desígnio de Deus e às profundas expectativas do mundo. É preciso promover antes de tudo uma espiritualidade da comunhão, capaz de se tornar princípio educativo nos vários ambientes em que a pessoa humana se forma. Esta espiritualidade aprende-se conduzindo o olhar do coração ao mistério da Trindade, cuja luz se reflete no rosto de cada pessoa, acolhida e valorizada como dom.
As instâncias de comunhão ofereceram às pessoas consagradas a possibilidade de descobrir a relação de reciprocidade com as outras vocações, no povo de Deus. Na Igreja, elas são chamadas, de modo particular, a revelar que a participação na comunhão trinitária pode mudar as relações humanas, criando um novo tipo de solidariedade. As pessoas consagradas, com efeito, professando viver por Deus e de Deus, abrem-se ao dever de confessar a potência da ação reconciliadora da graça, que supera os dinamismos desagregadores presentes no coração humano.
As pessoas consagradas, em virtude da sua vocação, qualquer que seja o carisma específico que as distingue, são chamadas a ser peritas em comunhão, a promover vínculos humanos e espirituais que favoreçam a troca recíproca de dons, entre todos os membros do povo de Deus. O reconhecimento da pluriformidade das vocações, na Igreja, confere um novo significado à presença das pessoas consagradas no campo da educação escolar. A escola é, por si mesma, o lugar da missão, onde se atualiza a função profética conferida pelo baptismo e vivida, segundo a exigência de radicalidade, própria dos conselhos evangélicos. O dom de especial consagração que receberam levá-las-á a reconhecer, na escola e no empenho educativo, o sulco fecundo em que o Reino de Deus pode crescer e dar fruto.
Este compromisso corresponde perfeitamente à natureza e à finalidade da própria vida consagrada e exerce-se segundo aquela dúplice modalidade educativa e formativa que acompanha o crescimento de cada pessoa consagrada. O consagrado e a consagrada, através da escola, educam e ajudam o jovem a acolher a própria identidade e a fazer emergir aquelas necessidades e desejos autênticos que habitam o coração de cada homem, mas que frequentemente são desconhecidos e subestimados:  sede de autenticidade e de honestidade, de amor e de fidelidade, de verdade e de coerência, de felicidade e de plenitude de vida. Desejos que, em última análise, convergem para o supremo anseio humano:  ver o rosto de Deus.

A segunda modalidade está ligada à formação.

A escola forma, quando oferece uma proposta precisa de realização daqueles desejos, impedindo que sejam deformados, ou só parcial e superficialmente satisfeitos. As pessoas consagradas, que estão na escola do Senhor, propõem com o testemunho da sua própria vida aquela forma de existência que se inspira em Cristo, para que também o jovem vive a liberdade de filho de Deus e experimente a verdadeira alegria e a autêntica realização, que nascem do acolhimento do projeto do Pai. Missão providencial, a dos consagrados na escola, no atual contexto, onde as propostas educativas parecem ser cada vez mais pobres e cada vez mais desprovidas de uma resposta às aspirações do homem!
As pessoas consagradas, na comunidade educativa, não precisam de reservar para si funções exclusivas. O específico da vida consagrada reside no ser sinal, memória e profecia dos valores do Evangelho. A sua característica é "introduzir no horizonte educacional o testemunho radical dos bens do Reino", em colaboração com os leigos chamados a manifestar, no seio da secularidade, o realismo da Encarnação de Deus no meio de nós, "a íntima dependência das realidades terrenas em relação a Deus em Cristo".
As diversas vocações existem em função do crescimento do corpo de Cristo e da sua missão no mundo. A partir do compromisso do testemunho evangélico, segundo a forma própria de cada vocação, nasce um dinamismo de ajuda recíproca a viver, integralmente, a adesão ao mistério de Cristo e da Igreja, nas suas múltiplas dimensões; um estímulo para cada um descobrir a riqueza evangélica da própria vocação, no confronto pleno de gratidão com as outras.
A reciprocidade das vocações, evitando tanto a contraposição, como a homologação, coloca-se como visão prospectiva, particularmente fecunda, para enriquecer o tecido eclesial da comunidade educativa. Assim, as várias vocações desenvolvem um serviço para a realização de uma cultura da comunhão. São vias correlativas, diversas e recíprocas, que concorrem para a atuação plena do carisma dos carismas:  a caridade.

Perante o mundo  

A consciência de viver num tempo cheio de desafios e de novas possibilidades, estimula as pessoas consagradas, comprometidas na missão educativa escolar, a fazer render o dom recebido, dando razões da esperança que as anima. A esperança, fruto da fé no Deus da história, funda-se na palavra e na vida de Jesus, que é vivido no mundo, sem ser do mundo. A mesma atitude, Ele pede-a a quem o segue:  viver e trabalhar na história sem, porém, se deixar fechar nela. A esperança exige inserção no mundo, mas também ruptura; requer profecia e compromete umas vezes a aderir, outras a dissociar-se, para educar na liberdade dos filhos de Deus, no contexto de condicionamentos que conduzem a novas formas de escravidão.
Este modo de ser na história exige uma profunda capacidade de discernimento. Nascendo da quotidiana escuta da Palavra de Deus, facilita a leitura dos acontecimentos e dispõe a criar, por assim dizer, uma consciência crítica. Quanto mais profundo e autêntico for este compromisso, tanto mais será possível descobrir a ação do Espírito na vida das pessoas e nos acontecimentos da história. Uma capacidade encontra o seu fundamento na contemplação e na oração, que ensinam a ver as pessoas e as coisas a partir da perspectiva de Deus. É o contrário do olhar superficial e do ativismo incapaz de se deter no importante e essencial. Quando faltam a contemplação e a oração e as pessoas consagradas não estão isentas deste risco diminui a paixão pelo anúncio do Evangelho e a capacidade de lutar pela vida e pela salvação do homem.
As pessoas consagradas, vivendo com impulso de generosidade a sua vocação, comunicam na escola a experiência da relação com Deus, radicada na oração, na Eucaristia, no sacramento da Reconciliação e na espiritualidade de comunhão que caracteriza a vida da comunidade religiosa. A atitude evangélica que se obtém, promove o discernimento e a formação para o sentido crítico, aspecto fundamental e necessário do processo educativo. Qualquer que seja o seu trabalho específico, a presença das pessoas consagradas na escola contagia o olhar contemplativo, educando para o silêncio que leva a ouvir Deus, a prestar atenção aos outros, à realidade que nos circunda, à criação. Além disso, apontando sobre o essencial, as pessoas consagradas suscitam a exigência de encontros autênticos, renovam a capacidade de se maravilhar e de tomar cuidado do outro, descoberto como irmão.
Em virtude da sua identidade, as pessoas consagradas constituem a "memória viva da forma de existir e atuar de Jesus, como Verbo encarnado face ao Pai e aos irmãos". O primeiro e fundamental contributo à missão educativa na escola, por parte das pessoas consagradas, é a radicalidade evangélica da sua vida. Este modo de assumir a existência, fundada na generosa resposta ao chamamento de Deus, torna-se interpelação a todos os membros da comunidade educativa, a fim de que cada um oriente a sua própria existência como uma resposta a Deus, a partir dos diferentes estados de vida.
Nesta perspectiva, as pessoas consagradas testemunham que a castidade do coração, do corpo, da vida é a expressão plena e forte de um amor total por Deus, que torna a pessoa livre, cheia de alegria profunda e disposta à missão. Assim, as pessoas consagradas contribuem para orientar os jovens e as jovens até um pleno desenvolvimento da sua capacidade de amar e a uma maturação integral da sua personalidade. Trata-se de um testemunho importantíssimo, face a uma cultura que tende, sempre mais, a banalizar o amor humano e a fechar-se à vida. Numa sociedade onde tudo tende a ser garantido, as pessoas consagradas, através da pobreza livremente escolhida, assumem um estilo de vida sóbrio e essencial, promovendo uma justa relação com as coisas e confiando-se à providência de Deus. A liberdade em relação às coisas, torna-as disponíveis, sem reservas, para um serviço educativo à juventude, sendo sinal da gratuidade do amor de Deus, num mundo onde o materialismo e o ter parecem prevalecer sobre o ser. Enfim, vivendo a obediência, apelam a todos para a senhoria do único Deus, contra as tentações de domínio indicam uma escolha de fé, que se contrapõe a formas de individualismo e autossuficiência.
Como Jesus para com os seus discípulos, assim as pessoas consagradas vivem a sua doação em benefício dos destinatários da missão:  os alunos e as alunas, em primeiro lugar, mas também os pais e os outros educadores e educadoras. Isto as encoraje a viver a oração e a resposta quotidiana ao seguimento de Cristo, para se tornarem um instrumento cada vez mais apto para a obra que Deus realiza através da sua mediação.
O chamamento a doar-se na escola, em disponibilidade total, em profunda e verdadeira liberdade, faz com que os consagrados e as consagradas se tornem testemunhas vivas do Senhor que se oferece por todos. Esta superabundância de gratuidade e de amor estimulam a sua doação, para além e acima de qualquer tipo de funcionalidade.
As pessoas consagradas encontram em Maria o modelo em que se inspirar, no relacionamento com Deus e no viver a história humana. Maria representa o ícone da esperança profética, pela sua capacidade de acolher e de meditar longamente a Palavra no seu coração, de ler a história segundo o projeto de Deus, de contemplar Deus, presente e operante no tempo. O seu olhar deixa transparecer a sapiência que une harmoniosamente o êxtase do encontro com Deus e o maior realismo crítico em relação ao mundo. O Magnificat é a profecia por excelência da Virgem, que ressoa sempre novo no espírito da pessoa consagrada, como louvor perene ao Senhor, que se inclina sobre os pequenos e os pobres, para lhes conceder a sua vida e misericórdia.

Vaticano - Missão