Precisamos nos livrar da agressividade xereta, Vivemos num mundo em que tudo se ventila publicamente.
Parece que todos têm o direito de perguntar, seja o que for, da vida das
pessoas, e que estas têm o dever de lhes
responder; caso contrário, ficarão sob suspeita. Enfia-se o microfone e a
câmera de televisão na intimidade dos lares ou dos ambientes profissionais e
religiosos sem que lhes tenham aberto as portas. Propõem-se questionários como
condição prévia para seguir cursos simples, os quais mais parecem um inquérito
policial sobre a vida particular. O mexerico é outro alto-falante, useiro e
vezeiro, que espalha em público – entre amigos, parentes ou colegas – o que é
de domínio estritamente privado.
Um simples senso de decência nos indica que isso não está
certo. E com razão. É um princípio indiscutível da moral que todo homem tem o
direito de manter reservados aqueles aspectos da vida, sobretudo da vida
privada, que os outros – perguntadores ou não perguntadores – não têm direito
nenhum de saber; e tem também o direito de calar-se sobre todas as coisas
particulares, cuja divulgação «não serviria em nada ao bem comum; pelo
contrário, poderia prejudicar legítimos interesses pessoais, familiares ou de
terceiros» (Cf. R. Sada e A. Monroy, Manual de Teolgia Moral, pág. 233).
É muito justa a indignação provocada pela intromissão
inquisitiva de indivíduos e de entidades na vida privada (sem excluir dessas
entidades o Estado), especialmente a da mídia. Uma indignação que expressava,
com palavras francas e límpidas, São Josemaría Escrivá, comentando a curiosidade
maligna dos fariseus (cf. Jo 9,13 e segs.), que se recusavam a acreditar na
explicação de um cego sobre a cura operada nele por Cristo: “Não custaria
nenhum trabalho apontar, em nossa época, casos dessa curiosidade agressiva, que
leva a indagar morbidamente da vida privada dos outros. Um mínimo senso de
justiça exige que, mesmo na investigação de um presumível delito, se proceda
com cautela e moderação, sem tomar por certo o que é apenas uma possibilidade
[...].
"Perante os mercadores da suspeita, os quais dão a
impressão de organizarem um tráfico da intimidade, é preciso defender a
dignidade de cada pessoa, seu direito ao silêncio. Costumam estar de acordo,
nesta defesa, todos os homens honrados, sejam ou não cristãos, porque está em
jogo um valor comum: a legítima decisão de cada qual de ser como é, de não se
exibir, de conservar, em justa e pudica reserva, as suas alegrias, as suas
penas e dores de família; sobretudo, de praticar o bem sem espetáculo, de
ajudar os necessitados por puro amor, sem obrigação de publicar essas tarefas
de serviço dos outros e, muito menos, de pôr a descoberto a intimidade da alma
perante o olhar indiscreto e oblíquo de gente que nada sabe nem deseja saber da
vida interior, a não ser para zombar impiamente. Mas, como é difícil nos vermos
livres dessa agressividade xereta! Multiplicaram-se os métodos para não deixar
o homem em paz" ( É Cristo que passa, n. 69).
É difícil ler estas palavras sem concordar apaixonadamente
com elas. Em todo o caso, não nos esqueçamos de que devemos começar
aplicando-as a nós mesmos e às nossas curiosidades pessoais. Será que temos a
consciência clara de que constitui uma falta moral, um pecado, abrir ou ler
cartas alheias, ou agendas, ou diários íntimos sem a permissão da pessoa
interessada? Ou revistar móveis e gavetas? Ou estar ocultamente à escuta,
espiar às escondidas por frestas, janelas ou fechaduras? Ou pressionar alguém,
atemorizando-o ou ameaçando-o de qualquer forma para nos contar algo que não
temos o menor direito de saber? Cada qual deveria fazer aqui o seu exame de
consciência.
Padre Francisco Faus