Um escrito cristão do século I, chamado "A Didaqué ou
Doutrina dos doze Apóstolos", começa assim: «Há dois caminhos: um da vida
e outro da morte. A diferença entre ambos é grande». O caminho da vida -
explica - consiste em amar a Deus e ao próximo e observar todos os outros
Mandamentos d'Ele. Pelo contrário, quem despreza os Mandamentos da Lei de Deus
e se entrega às paixões, hipocrisias, orgulho, adultério, rapinagens, etc.,
esse envereda pelo caminho da morte. «Filho, fica longe de tudo isso», exorta o
autor anônimo desse antiquíssimo texto catequético (I e II).
Como os primeiros cristãos, procuremos compreender os
roteiros que os mandamentos da Lei de Deus nos indicam como «caminho da vida».
Servindo-nos de uma comparação, vamos imaginar esse «caminho da vida» como uma
moderníssima estrada. Podemos pensar numa das grandes rodovias que percorrem o
Brasil, por exemplo, a rodovia Belém-Brasília (supondo-a bem conservada).
Tal como acontece com qualquer outra autoestrada, essa
permite ao viajante chegar a tempo ao seu destino. Se não houvesse estrada
nenhuma, mas apenas a natureza em estado bruto, o viajante ficaria perdido
entre matas, capoeiras, brejos, rios e montes, e jamais chegaria ao termo da
viagem, ou - como os antigos bandeirantes - demoraria muitos meses até
alcançá-lo.
O comerciante desvairado
Pensemos agora num comerciante que, dizendo encaminhar-se
para Belém do Pará, saísse de Brasília (DF) e, uma vez na estrada, comentasse
com a esposa, sentada no banco ao lado: - “Vamos a Belém, meu bem, mas eu não
estou para aguentar imposições. Estas faixas brancas no asfalto, essas placas,
essas sinalizações todas me abafam. Nada de normas rígidas, minha querida.
Independência ou morte! Liberdade!”
Nisso, em coerência com os seus devaneios libertários, o nosso
motorista resolve sair das “normas rígidas” e acelera em direção à margem
direita da estrada, perpendicularmente, como se fosse uma garça, capaz de
levantar voo acima de guard-rails, muretas, árvores e construções. O desfecho é
fácil de prever: não conseguirá percorrer uns poucos metros sem se espatifar,
acabando com a viagem, com o veículo, consigo mesmo e com a esposa.
Pois bem, os Mandamentos de Deus são a estrada que o próprio
Deus idealizou, traçou, rasgou e sinalizou para a breve viagem da vida, rumo à
eternidade. Essa estrada - se nós a seguimos - conduz-nos a cada passo para
mais perto da nossa perfeição, até levar-nos à plenitude da vida eterna.
No caminho da Lei Divina, mesmo nas “placas” onde se diz
“Não”, um viajante lúcido e sensato saberá ler a verdadeira indicação: “Para o
amor”, “Para a compreensão”, “Para a fidelidade”, “Para a verdade”, “Para a
generosidade”… E, na placa principal, encontrará os dizeres mais claros, que
são a meta e a iluminação de todas as outras: "Amarás o Senhor teu Deus de
todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito. Este é o maior
e o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu
próximo como a ti mesmo. Nesses dois mandamentos se resumem toda a lei e os
profetas" (Mt 22, 36-39).
Um "não" que permite dizer "sim"
Cada proibição que os Mandamentos formulam, quando bem
entendida, é o "não" imprescindível para poder dizer um "sim"
amoroso e feliz. Se Deus nos proíbe que odiemos, e nos manda dizer
"não" ao ódio, é para que possamos dizer um "sim" ao amor,
para que fiquemos liberados para o amor. Se Deus nos diz: “Não pecarás contra a
castidade”, “Não cometerás adultério”, é para que, dizendo "não" ao
sexo egoísta, possamos dizer "sim" ao amor profundo e fiel, vivido
com a alma e com o corpo, dentro do matrimônio santo, generoso e fecundo. Dizer
"não" à devassidão e à impureza é “afirmar jubilosamente” - como
dizia Monsenhor Escrivá - que a castidade é própria de enamorados que sabem
entregar-se e aprendem a dar-se, iluminando o mundo com o seu “dom” sorridente…
Estando, como estamos, tão propensos a saltar fora do
caminho, a afundar no egoísmo, a errar e perder-nos, é natural que o fato de
descobrir essas verdades nos mova a elevar a Deus um cântico de agradecimento
por nos ter libertado do erro e do mal, e por ter gravado na nossa consciência
o caminho claro da sua Lei Divina -, os Dez Mandamentos e a “lei evangélica”
que os completa e os aperfeiçoa -, pois só esta é a autêntica estrada do Amor.
E a obediência ao Amor é o caminho da Liberdade.
(Adaptação de um trecho da obra de Pe. Francisco Faus: A voz da
consciência)