Os “bons olhos” de Cristo. Uma das manifestações mais
tocantes da bondade de Cristo é a Sua infinita capacidade de dirigir um olhar
amoroso e confiante a todos, mesmo aos que parecem mais pervertidos e
irrecuperáveis. É uma atitude que vemos a cada passo nos relatos evangélicos,
ao contemplarmos o modo acolhedor e esperançado com que o Senhor encara os
pecadores, os miseráveis, todos aqueles que aparecem como o rebotalho
imprestável da sociedade.
Há, concretamente, uma passagem do
Evangelho em que essa atitude se revela com grande transparência. São Lucas
pinta a cena com os traços de um drama em que intervêm dois personagens, Cristo
e um fariseu chamado Simão.
Ambos contemplam o mesmo fato: a
invasão inesperada de uma mulher pecadora na casa do fariseu, onde Jesus estava
à mesa juntamente com outros convidados. E eis que uma mulher, que era pecadora
na cidade, quando soube que Ele estava à mesa em casa do fariseu, levou um vaso
de alabastro cheio de bálsamo. Estando a Seus pés, detrás d'Ele, começou a
banhar-Lhe os pés com lágrimas, enxugava-os com os cabelos da sua cabeça,
beijava-os e ungia-os com bálsamo (cf. Lc 7,37-38). Aquela pobre mulher, tocada
na alma pela divina bondade de Cristo - convertida pela pureza do exemplo e da
palavra de Nosso Senhor -, não sabe o que fazer para expressar a sua dor, o seu
arrependimento.
Nesse momento, dois pares de olhos
se fixam especialmente nela: os do fariseu Simão e os de Cristo. Ambos observam
a mesma cena, a mesma pessoa, os mesmos gestos. Mas veem coisas inteiramente
diferentes.
O fariseu fita a pecadora com olhar
de desprezo: Vendo isto, o fariseu que o tinha convidado disse consigo: Se este
fosse profeta, com certeza saberia quem e qual é a mulher que o toca, e que é
pecadora. Simão só vê o “lado mau”. Vê com “maus olhos”.
Cristo, pelo contrário, dirige à
pecadora o olhar do amor benigno: os “bons olhos”. Mansamente, volta-se para o
fariseu e diz-lhe: Simão, tenho uma coisa a dizer-te… E o que Cristo vai
dizer-lhe, com um laivo de tristeza, é que Simão ainda não aprendeu a enxergar
com bondade, ainda não aprendeu a apreciar o valor dos outros com uma “atenção
amorosa”.
Um credor - começa Cristo - tinha
dois devedores: um devia-lhe quinhentos denários, o outro cinquenta. Não tendo
eles com que pagar, perdoou a ambos a dívida. Qual deles, pois, o amará mais? O
que equivale a dizer: Simão, onde tu vês um atrevimento despudorado, eu vejo
amor. Esta pobre criatura chora pela pena do arrependimento e a esperança do
perdão.
E prossegue: Vês esta mulher?… -
sim, é necessário, é importante conseguir “ver” os outros, coisa nada fácil -,
vês esta mulher? Entrei em tua casa e não me deste água para os pés; e esta com
as suas lágrimas banhou os meus pés e enxugou-os com os seus cabelos. Não me
deste o beijo da paz, mas esta, desde que entrou, não cessou de beijar os meus
pés. Não ungiste a minha cabeça com bálsamo, mas esta ungiu com bálsamo os meus
pés. Pelo que te digo: São-lhe perdoados os seus muitos pecados porque muito
amou (cf. Lc 7, 40-47).
Como se percebem bem aqui os “bons
olhos” de Jesus! Mais do que ninguém, Cristo era capaz de penetrar nos abismos
do mal que o pecado cavara naquela alma. E mais do que ninguém, por ser Ele
Deus - Deus feito homem -, podia sentir-se atingido pelo pecado, pois este é,
acima de tudo, uma ofensa a Deus.
Nada disso, porém, passa para o
primeiro plano no olhar de Cristo. Na escuridão do pecado, que envolve a alma
daquela pobre mulher, Ele não detém a vista no que O ofende; só vê brilhar -
como a luz que cintila numa noite escura - a bondade que começa a desabrochar
naquela alma dolorida. Apenas vê o “lado bom”, a semente de bondade e a chama
de esperança que ali está a despertar, e que Ele pode e quer ajudar a crescer e
a acender cada vez mais.
O fariseu queria expulsar,
indignado, a pecadora e, com isso, certamente a teria ferido “mortalmente”,
pois teria abafado a sua esperança, e a teria acorrentado, talvez para sempre,
ao seu mal. Cristo não. Jesus estende-lhe a mão e a salva: A tua fé te salvou; vai
em paz (cf. Lc 7, 50). E assim uma dupla alegria, imensa, nasce daquele perdão:
a da pecadora perdoada, purificada, nascida de novo; e a de Nosso Senhor, que
declara: Haverá mais alegria no Céu por um só pecador que fizer penitência do
que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento (Lc 15,7).
Por que você não procura mais essa
alegria, que Jesus tem preparada para todos nós? Não percebe que é a alegria
que invade a alma cada vez que fazemos, com dor e esperança - como aquela
mulher - uma boa confissão?
Padre Francisco Faus