No mundo marcado pelo poder, ela se
fez escrava do Senhor. Deus fala sempre e é necessário apurar
os ouvidos diante de Suas Palavras. Muitas vezes, o silêncio é a Sua voz (Cf.
Is 30,15; Sl 64,2), outras se manifestam por meio de pessoas por Ele enviadas,
cujos gestos e respostas aos apelos do Senhor são altamente eloquentes. Grita
bem forte, diante da história, o sinal que é a Igreja, esposa de Cristo,
cuidada com amor por aquele que se entregou para fazê-la santa e imaculada. Sinal de Deus é o fato de ser esta mesma Igreja constituída
por homens e mulheres marcados pela fragilidade comum a toda a natureza humana,
mas tocados pela graça de Deus, que os conduz progressivamente à estatura de
Cristo (Cf. Ef 4,13-16). O mistério de Cristo, luz do mundo, há de resplandecer
na face da Igreja.
Tudo o que se diz da Igreja, em geral, pode ser aplicado em particular
àquela que foi escolhida e preparada pelo Pai do Céu para ser Mãe de Seu Filho
amado, a Virgem Maria, Imaculada, assunta ao céu, sinal de Deus para o mundo.
Por outro lado, tudo o que se diz de Maria pode ser aplicado à Igreja no seu
conjunto, como graça e vocação (Cf. Ap 11,19; 12,1-10). Ao celebrarmos com a
Igreja a Festa da Assunção de Nossa Senhora, deparamo-nos com uma torrente de
ensinamentos a serem colhidos com sabedoria, ainda que não sejamos capazes de
absorver toda a riqueza dos mistérios de Deus, realizados em santa cumplicidade
com a humanidade, nos quais nos envolvemos, com Maria e do modo de Maria, Mãe
de Deus e nossa Mãe.
O fato de Deus ter preservado a
Virgem Maria da corrupção,
elevando-a em corpo e alma, “assumindo-a” na “assunção”, traz consigo a lição
do grande valor dado por Deus a tudo o que é humano. Não nos é lícito desprezar
o corpo humano, as realidades terrestres destinadas a contribuírem à realização
das pessoas, a beleza da natureza, o relacionamento entre elas. Tudo tem um destino de felicidade e de eternidade,
tanto que buscamos um novo céu e uma nova terra, onde Deus será tudo em todos!
É inclusive condição para a realização humana nesta terra o olhar otimista dos
cristãos em relação a toda a criação. Cabe a eles passar pelas estradas do
mundo plantando e colhendo o bem, recuperando a realidade e o sonho oferecidos
por Deus no Livro do Gênesis, pois ele nos quer felizes no Paraíso. Nossa vida na terra é ao, mesmo tempo, saudade e esperança do Paraíso.
Em Cristo, Salvador e Redentor, tudo é recapitulado, ganha um novo e definitivo
sentido.
Olhar para o grande sinal aparecido do
no céu e dar-lhe um nome: Maria! – traz ainda a grande certeza
de termos uma Mãe no Céu, criatura como todos nós, mas escolhida, preservada do
mal e elevada à comunhão plena com a Trindade. Um privilégio e uma graça que a
tornou missionária. Ela chegou na frente para nos mostrar a estrada. Bendita
entre todas as mulheres (Lc 1,39-45) para nos mostrar o caminho da bênção. Ela
é Nossa Senhora da Esperança, Nossa Senhora da Glória, Nossa Senhora do
presente e do futuro! Junto de Deus está a nossa humanidade. Estabeleceu-se um
laço definitivo pelo que nós podemos renunciar a olhar para o Céu e caminhar
para lá.
Olhando para aquela que foi assunta ao Céu, parece-me
encontrá-la realizada aqui na terra, em muitas outras pessoas que trazem os
traços de Maria. Dentre tantas, no mês dedicado às diversas vocações na Igreja,
volto meu olhar para os homens e mulheres que descobriram um chamado semelhante
ao de Maria, tornando-se sinais da plenitude do Reino de Deus, na vida
religiosa. Quando muitos põem toda a esperança nos bens da terra, a vida
religiosa proclama a plenitude de Deus, com a bem-aventurança da pobreza,
transformada em voto, entrega total de vida, e diz a todos que Deus eleva os
humildes, despede os ricos de mãos vazias e sacia de bens os famintos. Com a
virgindade e a castidade vividas e testemunhadas, os religiosos e as religiosas
reconhecem que Deus olhou para a pequenez de seus servos e servas, e o
proclamam senhor de todos os seus afetos, dispostos a construir a fraternidade,
não constituindo para si uma família própria, mas suscitando a ternura da família
dos filhos de Deus.
Ao mundo que luta pelo poder e o
domínio de uns sobre os outros, a vida religiosa proclama, com o desafiador
voto de obediência – “Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra”
– que Deus derruba do trono os poderosos. Nos religiosos e nas
religiosas o Senhor Jesus quer continuar a se fazer servo, obediente até à
morte, e morte de Cruz (Cf. Fl 2,1-11). São pessoas que podem ser parecidas com
Nossa Senhora, são homens e mulheres “apressados”, desejosos de viver, desde
já, os valores da eternidade. Sintam-se reconhecidos e valorizados pela
sociedade, pela Igreja e por todas as pessoas que têm sede de Deus e muitos
jovens experimentem o chamado a seguir Jesus de perto nesta forma de entrega à
Igreja e ao Reino de Deus.
Com Nossa
Senhora, com a Igreja e com as pessoas consagradas na Castidade, na
Pobreza e na Obediência, pedimos ao Pai, Deus e eterno e todo-poderoso, aquele
que elevou à glória do Céu, em corpo e alma a Virgem Maria, que nos faça viver
atentos às coisas do alto, a fim de participarmos da sua glória.
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém - PA