Gente boa que não esquecemos. Não poucas vezes, dizemos que é boa uma pessoa que é somente
“bonachona”, isto é, que tem bons sentimentos, nunca briga, cede a tudo, é
condescendente conosco até em coisas que nos fazem mal…, mas não nos faz nenhum
bem profundo e construtivo.
Bom, de verdade, é somente aquele que nos faz bem. E o bem
é, acima de tudo, o valor moral e espiritual de uma pessoa. Portanto, bom mesmo
é somente aquele que nos ajuda a ser melhores.
Quando já vivemos um bom pedaço da vida e olhamos para trás,
contemplamos um vasto panorama de vicissitudes diversas, de erros e acertos, de
perigos que nos ameaçaram, de dúvidas que nos paralisaram, de alegrias e
tristezas. Mas, no meio dessas lembranças, todos nós podemos ver brilhar uns
pontos de luz que jamais esqueceremos: pessoas que, no momento em que mais
precisávamos, nos fizeram bem: “Fulano - dizemos - ajudou-me muito”, “significou
muito para mim”; “graças à Sicrana, consegui superar um problema grave (ou uma
crise ou um estado de ânimo) que me poderia ter arrasado”…
Mesmo sem darmos por isso e sem dizê-lo explicitamente,
estamos falando de pessoas “verdadeiramente boas”. Inconscientemente, possuímos
a convicção de que foram bons, para nós, aqueles que nos despertaram para
ideais mais nobres, que nos deram a mão para nos levar a encontrar um sentido
mais alto da vida, que iluminaram as nossas escuridões interiores fazendo-nos
compreender aquilo por que vale a pena viver.
Em suma, foram “bons” os que nos elevaram a um maior nível
de dignidade moral e nos ajudaram a ser melhores, mesmo que para isso tivessem
precisado, em algum momento, de nos fazer sofrer. Contribuíram para que descobríssemos
e abraçássemos o bem, e não se contentaram com o deixar que nos “sentíssemos
bem”…
Se, para tanto, foi necessário que nos aplicassem uma
enérgica e paciente “cirurgia”, não duvidaram em fazê-la, mesmo sabendo que, de
início, não os compreenderíamos. Souberam ter a coragem – pensemos, por
exemplo, nos pais e educadores – de dizer-nos serenamente “não” e de manter
essa posição em defesa do nosso bem, ainda que nós a interpretássemos como
teimosia prepotente e irracional. Passado o tempo, compreendemos e agradecemos
o que essa energia amorosa significou para nós.
O pessoa boa recusa-se a tomar como princípio de
comportamento o infeliz ditado segundo o qual “aquele que diz as verdades perde
as amizades”. Pratica a lealdade sincera quando o nosso bem está em jogo.
Certamente, não confunde a sinceridade com a franqueza rude, que se limita a
nos lançar no rosto os nossos erros e defeitos em tom áspero e acusatório. Mas
arrisca-se de bom grado a ser incompreendida, a ser tachada de pessoa moralista
e intrometida, quando percebe que precisa nos falar clara e caridosamente, mas
sem ambiguidades, e não hesita em praticar aquela excelente obra de
misericórdia que consiste em “corrigir o que erra”, a fim de levar-nos a
encontrar a retidão do caminho moral.
Calar-se, deixando o barco correr e afundar-se é, sem
dúvida, mais cômodo. Alhear-se, ou até mostrar-se conivente com os erros
alheios, atrai benevolências e simpatias. Mas é uma forma covarde de omissão e
uma triste colaboração com o mal.
Traços da bondade
Pessoa boa é, pois, aquela que exerce sobre nós uma
influência benfazeja, uma influência que tem como efeito nos elevar, ajudar-nos
a alcançar uma maior altura moral.
Por isso, a mulher ou o homem bons têm, principalmente, uma
qualidade: o dom de despertar-nos do sono espiritual, da letargia moral, da
mediocridade e da acomodação. São pessoas que nos impelem a “olhar para cima” e
nos ajudam - sobretudo com o seu exemplo - a ver a bondade como uma meta
acessível.
O ambiente que nos cerca leva-nos facilmente a ser
medíocres. Os idealistas são poucos, e não raro parecem ingênuos ou tolos se os
compararmos com muitos dos que vemos triunfar ou, pelo menos, singrar na vida:
os egoístas, os espertos e os aproveitadores. Com efeito, aspirar a pautar a
vida pela honestidade, pela fidelidade, pelo mérito, pelo desprendimento ou
pela sinceridade - para falar apenas de algumas facetas do ideal moral - pode
ser algo de muito belo na teoria, mas dá a impressão de ser muito pouco
prático, pouco eficaz na luta pela vida. Na “selva” do mundo, o “bom” parece
ser “bobo”.
Daí que, lá no fundo, muitos prefiram ser “como todo o
mundo”. E se um idealismo maior lhes bate às portas da alma, afastam-no com
desconfiança: não vamos complicar a vida - dizem -, não vamos ser tolos, é mais
garantido ficar na “média”, como todos fazem; os Ícaros que pretendem voar
muito alto com asas de cera acabam despencando no chão.
Até que, numa hora qualquer da vida, deparamos com uma
mulher boa, com um homem bom. O primeiro choque que experimentamos ao tomar
contato com essa pessoa é o desconcerto. Começamos a vislumbrar nela algo de
inexplicável - pois foge aos padrões habituais – e, ao mesmo tempo, algo de estranhamente
atraente.
Percebemos que é alguém que pensa de maneira diferente, vive
de maneira diferente. Acredita em valores mais elevados, abraça-os com serena
convicção e não vacila em pautar por eles a sua vida. Prescinde tranquilamente
do que a maioria considera imprescindível para ser feliz: o egoísmo
interesseiro, o comodismo, o culto do prazer e do bem-estar, o jogo de pequenos
e grandes enganos para obter vantagens… Abraça com firmeza a honestidade, a
dedicação desinteressada, o sacrifício, o amor serviçal, a renúncia voluntária,
para fazer felizes os outros… Parece estar a um milímetro da utopia, da loucura
ou da estupidez. E, no entanto, deixa-nos a impressão indestrutível de ser
infinitamente mais alegre, mais realizado e vitalmente mais rico do que a massa
anódina sobre a qual, mesmo sem o pretender, ele - ou ela - se eleva. Neles há
como que um reflexo de Deus.
É por isso que o homem bom nos obriga a olhar “para cima” e
também “por cima” dos nossos esquemas mentais e das nossas opções rotineiras. É
como que uma bandeira que incita a entrar por caminhos novos, caminhos que lá
no fundo da alma nós desejaríamos trilhar para curar o coração cansado de
sábias espertezas e de prudentes mediocridades. E, com o seu exemplo, vem
dizer-nos que esses caminhos são possíveis, ao passo que nos mostra o roteiro a
seguir.
E é assim que a limpa autenticidade do homem bom faz-nos
descobrir o norte, o verdadeiro norte da vida, e para ele nos atrai. Dele
irradia, sem palavras, um apelo que nos sugere: vale a pena viver assim e é
possível viver assim; se, com o auxílio de Deus, nós o conseguíssemos -
livrando-nos de ser engolidos pelo que “todo o mundo faz” -, alcançaríamos a
plenitude da paz e da felicidade que sempre almejamos e nunca, até agora,
conseguimos conquistar.
(Adaptação de um trecho do livro "O homem bom" de
padre Francisco Faus)