terça-feira, 13 de agosto de 2013

A NOVA JORNADA QUE COMEÇA

A NOVA JORNADA QUE COMEÇA

Thiago Isaias Nóbrega de Lucena[1]

CATÓLICOS STAND BY

Acabo de despertar de um sono de poucas horas para descansar minimamente o corpo após mais de uma semana intensa de peregrinações e experiências inaugurais proporcionadas pela Jornada Mundial da Juventude (JMJ) realizada na cidade do Rio de Janeiro, entre os dias 23 e 28 de julho de 2013. Ao abrir os olhos após essa soneca, sentia no peito uma sensação que oscilava entre o quente e o frio; meu coração batia diferente; meu espírito está diferente. Ainda estou me perguntando: acordei verdadeiramente? Que tipo de experiência vivi, que fez meu corpo pedir essas horinhas de repouso e que me fizeram acordar com tal sensação?
Acho que acordei sim, mas não de um sono daqueles que o nosso bios nos pede apenas para repor a melatonina, restaurar as sinapses e as energias para o dia seguinte; despertei de outro sono, um sono que não quero mais voltar a dormir: um tipo de sono dormido apenas pelo católico stand by. Esse tipo peculiar de sono é dos mais difíceis de despertar, porque é o mais difícil de reconhecer que seja um sono. A semana vivida na JMJ me fez perceber que, mesmo que eu tenha certa caminhada cristã, minha vida na Igreja nos últimos tempos estava entrando nesse stand by, espécie de repouso, reserva, segundo plano. É como um aparelho de som quando está em stand by: está ligado, mas não está funcionando, não executa a função principal que é tocar a música. O católico stand by é aquele que, mesmo estando incluído em grupos e movimentos dentro da Igreja, não se doa, não é parte do grupo. O católico que se encontra nesse modo, não hesita em principalizar atividades secundárias da vida e em secundarizar o que deveria ser o principal. Secundárias são todas as alegrias efêmeras, os momentos flúidos de empolgação, a líquida sensação de estar engajado em algo que logo escorre por entre os dedos pela ausência de laços concretos. O que seria o principal é o encontro pessoal com o Cristo vivo na carne do outro. Encontros que o católico stand by não mantém para não ter que passar pelo constrangimento de deixar de ser um sujeito ensimesmado que reflete e reza apenas para suas próprias conveniências, para ir ao encontro do outro. Esse tipo de encontro exige coragem para realizar uma revolução que nos retire do primeiro plano, conforme nos propôs ousadamente nos primeiros dias da JMJ o Papa Francisco:
A fé promove uma revolução que poderíamos chamar copernicana, nos tira do centro e coloca Deus no centro; a fé nos inunda de seu amor que nos da segurança, força e esperança. Aparentemente parece que não muda nada, mas, no mais profundo de nós mesmos, muda tudo. Quando está Deus no centro, no nosso coração habita a paz, a doçura, a ternura, o entusiasmo, a serenidade e a alegria, que são frutos do Espírito Santo (cf. Gl. 5,22), então, nossa existência se transforma, nosso modo de pensar e de operar se renova, se converte no modo de pensar e de operar de Jesus, de Deus.
Ora, a frase do Santo Padre é duplamente ousada: tanto no que se refere ao seu convite à juventude para colocar Deus no centro da vida, quanto na forma de empregar a formulação da proposição “revolução copernicana”, expressão utilizada pelo filósofo Imanuel Kant em sua resposta ao problema do conhecimento, tomando como referência o astrônomo Nicolau Copérnico. Copérnico foi o também ousado formulador da teoria heliocêntrica que operou o que Freud veio a chamar de “ferida narcísica” no mundo da percepção dos fenômenos. A teoria heliocêntrica defendia que os planetas giravam em torno do Sol, o que substituia o modelo antigo, proposto por Aristóteles e Ptolomeu, de que a Terra ocupava o centro do universo, o que era mais coerente com as ideias da Igreja daquele tempo.
Copernicamente, o revolucionário Papa Francisco vai além e faz o convite: “Amigos queridos, a fé é revolucionária e eu lhes pergunto: estás disposto, estás disposta a entrar nesta onda da revolução da fé? Só entrando nela, tua vida, jovem, terá sentido e assim será fecunda”. Esse convite soou para mim como uma verdadeira intimação, embora não fosse impositivo; acionou o botão de minha fé e da minha vontade de estar a serviço, por inteiro. Despertei hoje com alma, corpo e coração querendo ser parte dessa revolução. Despertei querendo principalizar de forma definitiva Jesus Cristo em minha vida.
Despertai também todos vocês, meus amigos! Coloquem Deus no centro de suas vidas; saiam do modo stand by!
CATÓLICOS EM MODO ON: PEREGRINAÇÕES ORANTES
Sou nascido e criado no seio de uma família católica que me ensinou desde cedo a velar pelos valores cristãos que não se descolam, de maneira alguma, da vida e das relações cotidianas. Aprendi a chamar a todos esses valores de peregrinações e são muitos os “valores-peregrinos” que fui aprendendo a exercitar com minha família. Neste texto escrito sob o forte efeito da experiência da JMJ, exemplifico o que me parece o mais urgente e importante: a peregrinação orante.
Minha mãe, meu pai e minha avó me ensinaram que rezar é peregrinar em palavras e ações em um deslocamento que sai de mim para o outro. O outro se quer precisa estar geograficamente perto de mim; esse outro pode ser até alguém que jamais vi, ou que jamais venha a visualizar a face, mas ele está ali em algum lugar, sedento de minhas palavras peregrinas do amor que é caridade; está alí como quem diz: preciso de um alento, mas não sei onde ele está, nem de onde poderá vir.
Estou na cidade do Rio de Janeiro e há poucos minutos levantou vôo o nosso já saudoso Papa Franciso. Enquanto via o avião decolar, pensava: agora sim, começou a peregrinação propriamente dita desse emissário do amor e da simplicidade. Francisco está lembrando ao mundo aquilo que, já faz tempo, alguns poucos de nós católicos já fazíamos numa escala micro, mas que era colocado em stand by por milhões de outros. O Papa nos diz: Deus é simples! Essa frase me tocou profundamente quando a escutei de três amadas pessoas lá do estado do Rio Grande do Norte, a distante esquina do continente sulamericano. Marleno, Gerlane e Andrea da Comunidade Magnificat faziam questão de me lembrar em oração que Deus não espera que nos tornemos sofisticados para poder acessá-Lo. Ele nos quer simples, sem máscaras, sem espetacularização. Jesus Cristo é simples porque Ele sabe que só na simplicidade conseguimos “bater suavemente as portas do coração de toda pessoa”, como nos disse o Papa Francisco no primeiro dia de Jornada Mundial da Juventude.
Ah, a simplicidade... Percebi diversas de suas faces nesta JMJ. Esse grande momento da Igreja me mostrou duas formas de preregrinação: peregrinação como romaria de deslocamento físico e peregrinação de oração. A Jornada me possibilitou deslocar-me fisicamente por incontáveis caminhos da maravilhosa geografia do Rio de Janeiro. Foram quilômetros e quilômetros percorridos a pé, de metrô, ônibus e trem para ver coisas e encontrar pessoas, muitas pessoas, milhões delas que vinham dos quatros cantos do planeta. O simples trajeto do metrô Botafogo-Pavuna parecia um verdadeiro pentecostes de jovens entusiasmados por cantar e gritar sua fé em sua própria língua, regidos por um idioma único, o do amor em Jesus Cristo.
Mas, a peregrinação mais forte e a que me fez sentir estar mais perto de Deus foi a peregrinação orante que não se resume apenas à importante pronúncia de palavras e rosários, mas que se faz viva no conjunto de todos os sentidos: ouvindo batidas de corações, vendo rostos de todas as formas e expressões, tocando pessoas de múltiplos pertencimentos, degustando A Palavra e “sentindo o cheiro das ovelhas”, como diz o Santo Padre. E é do Papa Francisco que tomo de empréstimo a estratégia cognitiva trinitária e elencarei três faces dessa peregrinação orante experienciada na Jornada Mundial da Juventude de 2013 no Rio de Janeiro que certamente me acompanharão nas próximas peregrinações que farei após o entusiasmado envio que dele recebi.
Cada uma das três peregrinações orantes a serem elencadas ganharam cara a partir de encontros que mantive com três duplas de pessoas que se fizeram o próprio Cristo diante de meus olhos em momentos e lugares distintos na JMJ 2013. De cada uma delas retirei lições mobilizadoras de vida: a paciência, a tolerância e o maravilhamento. Sinto que seria demasiado avarento de minha parte não socializar esse aprendizado com vocês. Por isso, vejamos:

Tempo cacimbo de paciência

A primeira peregrinação orante que experienciei na JMJ 2013 foi vivida junto a dois padres angolanos cujos nomes infelizmente não sei grafar, mas cuja sabedoria está grafada, ou melhor, tatuada em minha mente e coração. Com esses dois homens consagrados, aprendi que é preciso escavar e tirar de dentro de nós a virtude da paciência.
Conheci os dois padres após passar 6 horas enfrentando uma fila para receber o kit de alimentação para a Vigília da JMJ. Aliás, estando inserido numa multidão cuja cifra é contada em milhões, as filas são uma constante e elas se formam para tudo: banheiro, restaurante, Eucaristia... Essas filas são sempre maxi, quilométricas, infindáveis... Cheguei à referida fila do kit alimentação às 09h e, quando finalmente acessei o stand de distribuição, já passava das 15h. Foi aí, quando o corpo já doía, a fome e a sede se instalavam, que os dois sacerdotes de Angola, país que se hirmana com o nosso, sobretudo, pela língua portuguesa, se aproximaram.
Começamos a conversa comentando as variações bruscas de temperatura, atípicas na capital carioca nesta época do ano. Eles me falaram que em Angola, assim como no nordeste do Brasil, só existem duas estações do ano: tempo de chuva e tempo sem chuva. A esse segundo tempo os angolanos chamam “tempo cacimbo”. Essa nomenclatura obviamente ativou minha curiosidade e lhes pedi que falassem um pouco mais a esse respeito. Eles me disseram que é considerado tempo cacimbo aquele em que já não se pode contar com o abastecimento direto dos grandes reservatórios de água e que, para saciar a sede e as demais necessidades que envolvem a utilização de água, é preciso escavar pacientemente grandes profundidades sinalizadas pelos mais velhos até que o líquido finalmente brote da terra. No Nordeste do Brasil, chamamos a esses poços improvisados de cacimbas que exercem a mesma função nas grandes secas que assolam essa porção do país.
Num exercício de peregrinação orante, aqueles sacerdotes me faziam perceber que é preciso sempre e a qualquer momento, escavar mais fundo à busca da água viva do amor caridoso que está escondido em algum lugar do outro e de nós mesmos. É do improvável que surgem as grandes rupturas e mudanças paradigmáticas, mas é preciso ser paciente e perseverante na escavação para que a água não se mostre salobra e, especialmente para que o poço não seque. Na vida de Igreja, que é a vida como um todo, não podemos desanimar na aparente sequidão da primeira impressão. É preciso estar disposto a escavar pacientemente e trazer à tona o Cristo que vive em cada um.
Nas disputadas areias da tolerância
Nas primeiras horas da manhã do último dia de JMJ, após dormir na fria praia de Copacana, visualizei a face do Cristo vivo e simples quando vi um padre argentino recém-ordenado tomar parte em uma discussão que começava a se acalorar na disputa por um pedaço de terra da praia para ver o Papa, de perto. Padre Gabriel era o seu nome. Seguramente o Arcanjo, de nome homônimo, estava agindo quando o sacerdote interviu e minimizou a pequena confusão que iria se formar. Naquele mesmo espaço eu o vi fazer uma peregrinação orante junto a seu companheiro de paróquia, Mauro. Em palavras e ações e de maneira absolutamente simples, os dois pacificaram aquele povo que havia se espremido por horas à busca de visualizar a olho nu o sucessor de Pedro.
A peregrinação orante aconteceu da seguinte forma: um grupo de jovens de El Salvador e do Brasil conseguiu lugar privilegiado para realizar a vigília; estavam há poucos metros do palco principal onde seria realizada a tão esperada Missa de Envio. Os demais peregrinos que não conseguiram tão bom lugar na noite anterior, levantaram-se antes das 4h da manhã para se deslocarem rumo ao disputado palco. Quando chegaram ao ponto ocupado pelos dois grupos, não conseguiam passar, pois eles continuavam a dormir e, mesmo depois de despertos, queriam permanecer deitados ou sentados para, dessa maneira assitir à celebração. Quando se está em multidão, os diálogos tendem a não ser tão pacíficos, mas, inesperadamente apresentam-se Padre Gabriel e Mauro: o segundo começa a conversar com os irmãos da língua espanhola e explicar-lhes que eles poderiam continuar alí, desde que ficassem também de pé, para dar espaço para os muitos que se aglomeravam; o primeiro retirou da mochila o Livro Litúrgico da JMJ e iniciou a oração das laudes matutinas da liturgia das horas. Com uma Ave Maria, Gabriel desarmou corações que se estranhavam dos dois lados. A Virgem Maria, com seu inabalável amor, intercedeu e a situação finalmente foi pacificada.
Gabriel e Mauro me mostraram que é nas muitas trincheiras que se formam cotidianamente por desentendimentos e endurecimento de coração, que o peregrino orante deve estar com sua bandeira branca da paz, que é a palavra e a ação do Cristo. Toda guerra travada traz consigo a incompreensão dos motivos do oponente; toda guerra é a intolerância indo às vias de fato. Não continuemos a pronunciar a frase: “não vou intervir porque fulano não tem mais jeito!”. Tem jeito, sim! Falta que construamos a ponte da tolerância e do diálogo pacífico.

A inocência da descoberta e do maravilhamento

Na especial noite de vigília em que as areias de Copacabana transformaram-se em aquecidos e confortáveis lugares de oração e descanso, quando já passava da meia noite, resolvi deixar por alguns instantes o lugar onde estava alojado para comprar uma comida quente para mim e para os meus companheiros. Foi difícil caminhar por entre tantos e tantos jovens deitados nos mais improváveis lugares para não perder nenhum instante daquele momento da mais forte oração vigilante. Quando consegui passar para a parte do comércio de Copacana, tive aquele que, para mim, foi o mais lindo encontro, na melhor expressão deleuziana, durante a JMJ. Diz o filósofo Giles Deleuze reportando-se a Espinosa que, na filosofia o bom encontro é criador de novos conceitos. Espinosa considera corpo e alma no mesmo nível. Para ele, o corpo corresponde à extensão de Deus. Sendo assim, aqui digo: todo encontro verdadeiro entre pessoas à luz de Cristo é aquele gerador de novos afetos e propiciador de tomada de novas atitudes de fé, esperança e caridade.
O encontro verdadeiro a que me reporto se deu na fila de uma lanchonete, com o jovem casal de namorados Juliana e Rodrigo, peregrinos do estado de Goiás, região centro-oeste do Brasil. Nesse encontro conversávamos sobre detalhes técnicos da organização da JMJ e das mudanças que precisaram acontecer de última hora, como a não realização da vigília em Guaratiba. Em certo ponto da conversa, os escutei relatar o quanto foi sofrida sua vinda para o Rio de Janeiro: Vieram de ônibus; hospedaram-se num alojamento em bairro distante 3h dos atos centrais da JMJ; faltou comida e dinheiro; sentiram frio... Foi então que eles concluíram o relato, dizendo: “nada disso nos tirou a alegria de estar aqui vivendo intensamente a Jornada. A JMJ já está sendo inesquecível porque foi por meio dela que nós tivemos a oportunidade de andar de trem e de ver o mar por primeira vez”.
Da garganta de Juliana e Rodrigo vazava a voz do Cristo que me dizia: a fé é um exercício de descoberta ininterrupta que acessa nosso espírito pela pulsão do maravilhamento. É preciso nos maravilharmos na fé. Agindo assim, a Palavra e as atitudes de Cristo serão sempre novas, inéditas, inaugurais, iniciáticas como andar de trem ou ver o mar pela primeira vez. Complemento com mais uma frase do sucessor de Pedro: “o jovem tem a ilusão da utopia, e a utopia não é sempre ruím. A utopia é respirar e olhar adiante. O jovem é mais espontâneo. Menos experiência de vida, é verdade. Mas às vezes a experiência nos freia.”. É preciso ter em conta que na fé nunca somos experientes o suficiente; há sempre o novo, o desconhecido, o nunca visto; um mundo novo por descobrir.
Essa fé, essa “boa nova” retroalimentada na Jornada Mundial da Juventude precisa se reverberar no nosso corpo e no nosso espírito por meio de nossas atitudes. Não guardemos o envio entusiástico que nos permitiu o Santo Padre; não privemos o outro dessa maravilha que é viver, agir e ser como o Cristo vivo. Saiamos da armadilha do modo stand by de ser católicos e desloquemo-nos em pensamentos, orações e ações desejando e fazendo com o outro, aquilo que gostaríamos que fizessem conosco. Eis o princípio antropoético, a dimensão antropológica da ética que deve estar presente na peregrinação orante.
A desconformidade ou o modelo quaternário
Para finalizar, decidi colocar em prática uma das mensagens do Papa Francisco, direcionada a nós jovens. Ele diz que nós devemos fazer valer a nossa potencial energia para defender nossas ideias; disse que somos essencialmente “desconformes”. Essa expressão faz muito sentido quando pensamos a transição ou até mesmo a travessia que o jovem precisa fazer para ser no mundo. Ele não é mais uma criança, tampouco é um adulto; traz em si um que de desencaixe da trivialidade.
Para exercitar minha desconformidade resolvi romper com o modelo trinitário tão utilizado nas exortações, reflexões e homilias do Santo Padre e optar por um modelo quaternário. Incluo um quarto encontro de peregrinação orante que vem agir como o elemento da desconformidade ou da desordem, conforme sugere a psicanalista brasileira Nise da Silveira em seus estudos. Esse quarto elemento, segundo Silveira, amplia as possibilidades de percepção e aprendizagem porque nos retira do lugar que já nos parece consolidado, auto-organizado, triangular.
Findada a programação formal da JMJ - Rio 2013, quando faltavam apenas alguns minutos para a minha partida rumo ao aeroporto para regressar à minha casa, encontro o jovem Alejandro, natural de Havana/Cuba que veio participar da Jornada com passagens custeadas por amigos norte-americanos. Alejandro estava conhecendo algumas igrejas do Rio de Janeiro e, naquele momento, chegava para conhecer a capela de Santo Antônio de Pádua, local onde fiquei confortavelmente hospedado durante a JMJ, sob o caloroso acolhimento do Padre Aldo Souto e seus paroquianos. Enquanto fechava minhas malas, o Padre Aldo me pediu que ajudasse com o espanhol na apresentação da capela a um estrangeiro e foi ai que pude conversar, por alguns poucos minutos, com Alejandro. Sabendo que Deus age no kairós, um tempo diferente do chronos, os 15 minutos foram suficientes para que ele me contasse as agruras que enfrenta em seu país de origem, tais como privações, bloqueios, censuras, largas cargas horárias de trabalho em troca de baixa remuneração e carências de todas as ordens. Nesse mesmo tempo, Alejandro, um jovem de 22 anos me fez a contundente confissão de que estava buscando uma pastoral ou movimento que cuidasse de migrantes, porque estava prestes a tomar a mais importante e desesperada decisão de sua vida: ficar em definitivo no Brasil, não como uma fuga, mas como a possibilidade de ajudar sua família imersa numa vida desprovida do mínimo para sua dignidade. Ele falou: “Corro o risco de ser deportado por ficar clandestinamente no Brasil e, se assim suceder, serei preso no meu país”. E continuou: “Essa é a primeira viagem internacional que faço e, pelas condições de vida que levo, é certo que será também a última. Preciso fazer valer a pena!”. Diante de tão forte e emocionado relato, fui tomado por uma paradoxal situação. Oscilei entre o sapiens e o demens da condição humana.
O meu lado sapiens, aquele que me faz pensar por meio da objetividade, me advertia: esta situação não é possível porque trata-se de um problema diplomático sério que pode desencadear graves estranhamentos entre os dois países. Esse pensamento se constitui a partir do conhecimento do mundo das regras alfandegárias e fronteiriças instituídas pela cultura da fragmentação da vida em múltiplas pátrias. Nosso lado sapiens nos dá a prudência para a reflexão, mas em muitos casos também nos freia e nos impede de arriscar, de transgredir, de revolucionar.
O meu lado demens, o da loucura, do jogo, do lúdico, da criatividade e da fé, me fez recordar a ideia de mundialização que me é tão cara. Pensar de forma mundializada é perceber que as barreiras alfandegárias negam a ideia de “Terra-Pátria” tão defendida pelo pensador francês Edgar Morin; a ideia de que estamos todos numa mesma nave espacial, sujeitos às mesmas intempéries naturais e artificiais. Em outras palavras, a ideia de Terra-Pátria abole as fronteiras e demarcações criadas por nós para separar não apenas nações, mas pessoas, corações, vidas. O meu lado demens tomado pela emoção, me dizia: fique! Não volte para o seu país! Aqui você prosperará, afinal, qual o problema de um jovem querer ser um pouco mais feliz e fazer felizes àqueles que ama?
Naquele momento, apenas silenciei e fiz uma breve oração, pedindo para que Deus o ajudasse a discernir o que seria melhor. O que fazer diante de tal paradoxo? O que dizer para aquele jovem temente a Deus que experimenta a desesperada vontade de mudar de vida? Foi ai que a carona chegou e segui para o aeroporto onde tomei este avião, lugar de escritura desta última parte do texto que nasce entre dois rios: o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Norte.
Num exercício de peregrinação orante, Jesus me mostrou dois ensinamentos a partir do encontro com Alejandro: aprendi que é preciso fazer valer a pena e que é preciso escolher ousadamente. A vida é escolha e toda escolha traz consigo a exclusão. Quando elegemos algo, abrimos mão de todas as outras possibilidades.
Agora pergunto a você com quem dividi essas peregrinações orantes: Você já fez a sua escolha? Você quer continuar sendo um católico stand by ou vai entrar em modo on?
Que Deus te abençoe grandemente!



[1] Professor do Centro de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (C&T/UFRN). Doutorando do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais/UFRN. Pesquisador do Grupo de Estudos da Complexidade (GRECOM).