A NOVA JORNADA QUE COMEÇA
Thiago Isaias
Nóbrega de Lucena[1]
CATÓLICOS
STAND BY
Acabo de despertar de um sono de poucas horas para descansar
minimamente o corpo após mais de uma semana intensa de peregrinações e
experiências inaugurais proporcionadas pela Jornada Mundial da Juventude (JMJ)
realizada na cidade do Rio de Janeiro, entre os dias 23 e 28 de julho de 2013.
Ao abrir os olhos após essa soneca, sentia no peito uma sensação que oscilava
entre o quente e o frio; meu coração batia diferente; meu espírito está
diferente. Ainda estou me perguntando: acordei verdadeiramente? Que tipo de
experiência vivi, que fez meu corpo pedir essas horinhas de repouso e que me
fizeram acordar com tal sensação?
Acho que acordei sim, mas não de um sono daqueles que o
nosso bios nos pede apenas
para repor a melatonina, restaurar as sinapses e as energias para o dia
seguinte; despertei de outro sono, um sono que não quero mais voltar a dormir:
um tipo de sono dormido apenas pelo católico stand by. Esse tipo peculiar de sono é dos
mais difíceis de despertar, porque é o mais difícil de reconhecer que seja um
sono. A semana vivida na JMJ me fez perceber que, mesmo que eu tenha certa
caminhada cristã, minha vida na Igreja nos últimos tempos estava entrando nesse
stand by, espécie de
repouso, reserva, segundo plano. É como um aparelho de som quando está em stand
by: está ligado,
mas não está funcionando, não executa a função principal que é tocar a música. O
católico stand by é aquele que,
mesmo estando incluído em grupos e movimentos dentro da Igreja, não se doa, não
é parte do grupo. O católico que se encontra nesse modo, não hesita em
principalizar atividades secundárias da vida e em secundarizar o que deveria
ser o principal. Secundárias são todas as alegrias efêmeras, os momentos
flúidos de empolgação, a líquida sensação de estar engajado em algo que logo
escorre por entre os dedos pela ausência de laços concretos. O que seria o
principal é o encontro pessoal com o Cristo vivo na carne do outro. Encontros
que o católico stand
by não mantém
para não ter que passar pelo constrangimento de deixar de ser um sujeito
ensimesmado que reflete e reza apenas para suas próprias conveniências, para ir
ao encontro do outro. Esse tipo de encontro exige coragem para realizar uma
revolução que nos retire do primeiro plano, conforme nos propôs ousadamente nos
primeiros dias da JMJ o Papa Francisco:
A fé promove uma revolução que
poderíamos chamar copernicana, nos tira do centro e coloca Deus no centro; a fé
nos inunda de seu amor que nos da segurança, força e esperança. Aparentemente
parece que não muda nada, mas, no mais profundo de nós mesmos, muda tudo.
Quando está Deus no centro, no nosso coração habita a paz, a doçura, a ternura,
o entusiasmo, a serenidade e a alegria, que são frutos do Espírito Santo (cf. Gl. 5,22),
então, nossa existência se transforma, nosso modo de pensar e de operar se
renova, se converte no modo de pensar e de operar de Jesus, de Deus.
Ora, a frase do Santo Padre é duplamente ousada: tanto no
que se refere ao seu convite à juventude para colocar Deus no centro da vida,
quanto na forma de empregar a formulação da proposição “revolução copernicana”,
expressão utilizada pelo filósofo Imanuel Kant em sua resposta ao problema do conhecimento, tomando como referência o
astrônomo Nicolau Copérnico.
Copérnico foi o também ousado formulador da teoria heliocêntrica que operou o
que Freud veio a chamar de “ferida narcísica” no mundo da percepção dos
fenômenos. A teoria heliocêntrica defendia que os planetas giravam em torno do
Sol, o que substituia o modelo antigo, proposto por Aristóteles e Ptolomeu, de
que a Terra ocupava o centro do universo, o que era mais coerente com as ideias
da Igreja daquele tempo.
Copernicamente, o revolucionário
Papa Francisco vai além e faz o convite: “Amigos queridos, a fé é
revolucionária e eu lhes pergunto: estás disposto, estás disposta a entrar
nesta onda da revolução da fé? Só entrando nela, tua vida, jovem, terá sentido
e assim será fecunda”. Esse convite soou para
mim como uma verdadeira intimação, embora não fosse impositivo; acionou o botão
de minha fé e da minha vontade de estar a serviço, por inteiro. Despertei
hoje com alma, corpo e coração querendo ser parte dessa revolução. Despertei
querendo principalizar de forma definitiva Jesus Cristo em minha vida.
Despertai também todos vocês, meus amigos! Coloquem Deus no
centro de suas vidas; saiam do modo stand by!
CATÓLICOS
EM MODO ON: PEREGRINAÇÕES ORANTES
Sou nascido e criado no seio de uma família católica que
me ensinou desde cedo a velar pelos valores cristãos que não se descolam, de
maneira alguma, da vida e das relações cotidianas. Aprendi a chamar a todos esses
valores de peregrinações e são muitos os “valores-peregrinos” que fui
aprendendo a exercitar com minha família. Neste texto escrito sob o forte
efeito da experiência da JMJ, exemplifico o que me parece o mais urgente e
importante: a peregrinação orante.
Minha
mãe, meu pai e minha avó me ensinaram que rezar
é peregrinar em palavras e ações em um deslocamento que sai de mim para o outro. O outro se quer
precisa estar geograficamente perto de mim; esse outro pode ser até alguém que
jamais vi, ou que jamais venha a visualizar a face, mas ele está ali em algum
lugar, sedento de minhas palavras peregrinas do amor que é caridade; está alí
como quem diz: preciso de um alento, mas não sei onde ele está, nem de onde
poderá vir.
Estou na cidade do Rio de Janeiro e há poucos minutos
levantou vôo o nosso já saudoso Papa Franciso. Enquanto via o avião decolar,
pensava: agora sim, começou a peregrinação propriamente dita desse emissário do
amor e da simplicidade. Francisco está lembrando ao mundo aquilo que, já faz
tempo, alguns poucos de nós católicos já fazíamos numa escala micro, mas que era
colocado em stand by por milhões de outros. O Papa nos diz: Deus é
simples! Essa frase me tocou profundamente quando a escutei de três amadas
pessoas lá do estado do Rio Grande do Norte, a distante esquina do continente
sulamericano. Marleno, Gerlane e Andrea da Comunidade Magnificat faziam questão
de me lembrar em oração que Deus não espera que nos tornemos sofisticados para
poder acessá-Lo. Ele nos quer simples, sem máscaras, sem espetacularização.
Jesus Cristo é simples porque Ele sabe que só na simplicidade conseguimos
“bater suavemente as portas do coração de toda pessoa”, como nos disse o Papa
Francisco no primeiro dia de Jornada Mundial da Juventude.
Ah,
a simplicidade... Percebi diversas de suas faces nesta JMJ. Esse grande momento
da Igreja me mostrou duas formas de preregrinação: peregrinação como romaria de
deslocamento físico e peregrinação de oração. A Jornada me possibilitou
deslocar-me fisicamente por incontáveis caminhos da maravilhosa geografia do
Rio de Janeiro. Foram quilômetros e quilômetros percorridos a pé, de metrô,
ônibus e trem para ver coisas e encontrar pessoas, muitas pessoas, milhões
delas que vinham dos quatros cantos do planeta. O simples trajeto do metrô
Botafogo-Pavuna parecia um verdadeiro pentecostes de jovens entusiasmados por
cantar e gritar sua fé em sua própria língua, regidos por um idioma único, o do
amor em Jesus Cristo.
Mas,
a peregrinação mais forte e a que me fez sentir estar mais perto de Deus foi a
peregrinação orante que não se resume apenas à importante pronúncia de palavras
e rosários, mas que se faz viva no conjunto de todos os sentidos: ouvindo
batidas de corações, vendo rostos de todas as formas e expressões, tocando
pessoas de múltiplos pertencimentos, degustando A Palavra e “sentindo o cheiro
das ovelhas”, como diz o Santo Padre. E é do Papa Francisco que tomo de
empréstimo a estratégia cognitiva trinitária e elencarei três faces dessa
peregrinação orante experienciada na Jornada Mundial da Juventude de 2013 no
Rio de Janeiro que certamente me acompanharão nas próximas peregrinações que
farei após o entusiasmado envio que dele recebi.
Cada
uma das três peregrinações orantes a serem elencadas ganharam cara a partir de
encontros que mantive com três duplas de pessoas que se fizeram o próprio
Cristo diante de meus olhos em momentos e lugares distintos na JMJ 2013. De
cada uma delas retirei lições mobilizadoras de vida: a paciência, a tolerância
e o maravilhamento. Sinto que seria demasiado avarento de minha parte não
socializar esse aprendizado com vocês. Por isso, vejamos:
Tempo cacimbo de paciência
A primeira peregrinação orante que experienciei na JMJ 2013
foi vivida junto a dois padres angolanos cujos nomes infelizmente não sei
grafar, mas cuja sabedoria está grafada, ou melhor, tatuada em minha mente e
coração. Com esses dois homens consagrados, aprendi que é preciso escavar e
tirar de dentro de nós a virtude da paciência.
Conheci os dois padres após passar 6 horas enfrentando uma
fila para receber o kit de alimentação para a Vigília da JMJ. Aliás, estando
inserido numa multidão cuja cifra é contada em milhões, as filas são uma
constante e elas se formam para tudo: banheiro, restaurante, Eucaristia... Essas
filas são sempre maxi, quilométricas, infindáveis... Cheguei à referida fila do
kit alimentação às 09h e, quando finalmente acessei o stand de
distribuição, já passava das 15h. Foi aí, quando o corpo já doía, a fome e a
sede se instalavam, que os dois sacerdotes de Angola, país que se hirmana com o
nosso, sobretudo, pela língua portuguesa, se aproximaram.
Começamos a conversa comentando as variações bruscas de
temperatura, atípicas na capital carioca nesta época do ano. Eles me falaram
que em Angola, assim como no nordeste do Brasil, só existem duas estações do
ano: tempo de chuva e tempo sem chuva. A esse segundo tempo os angolanos chamam
“tempo cacimbo”. Essa nomenclatura obviamente ativou minha curiosidade e lhes pedi
que falassem um pouco mais a esse respeito. Eles me disseram que é considerado
tempo cacimbo aquele em que já não se pode contar com o abastecimento direto
dos grandes reservatórios de água e que, para saciar a sede e as demais
necessidades que envolvem a utilização de água, é preciso escavar pacientemente
grandes profundidades sinalizadas pelos mais velhos até que o líquido finalmente
brote da terra. No Nordeste do Brasil, chamamos a esses poços improvisados de
cacimbas que exercem a mesma função nas grandes secas que assolam essa porção
do país.
Num exercício de peregrinação orante, aqueles sacerdotes me
faziam perceber que é preciso sempre e a qualquer momento, escavar mais fundo à
busca da água viva do amor caridoso que está escondido em algum lugar do outro
e de nós mesmos. É do improvável que surgem as grandes rupturas e mudanças
paradigmáticas, mas é preciso ser paciente e perseverante na escavação para que
a água não se mostre salobra e, especialmente para que o poço não seque. Na
vida de Igreja, que é a vida como um todo, não podemos desanimar na aparente
sequidão da primeira impressão. É preciso estar disposto a escavar
pacientemente e trazer à tona o Cristo que vive em cada um.
Nas disputadas areias da tolerância
Nas primeiras horas da manhã do último dia de JMJ, após
dormir na fria praia de Copacana, visualizei a face do Cristo vivo e simples
quando vi um padre argentino recém-ordenado tomar parte em uma discussão que
começava a se acalorar na disputa por um pedaço de terra da praia para ver o
Papa, de perto. Padre Gabriel era o seu nome. Seguramente o Arcanjo, de nome
homônimo, estava agindo quando o sacerdote interviu e minimizou a pequena
confusão que iria se formar. Naquele mesmo espaço eu o vi fazer uma
peregrinação orante junto a seu companheiro de paróquia, Mauro. Em palavras e
ações e de maneira absolutamente simples, os dois pacificaram aquele povo que
havia se espremido por horas à busca de visualizar a olho nu o sucessor de
Pedro.
A peregrinação orante aconteceu da seguinte forma: um grupo
de jovens de El Salvador e do Brasil conseguiu lugar privilegiado para realizar
a vigília; estavam há poucos metros do palco principal onde seria realizada a
tão esperada Missa de Envio. Os demais peregrinos que não conseguiram tão bom
lugar na noite anterior, levantaram-se antes das 4h da manhã para se deslocarem
rumo ao disputado palco. Quando chegaram ao ponto ocupado pelos dois grupos,
não conseguiam passar, pois eles continuavam a dormir e, mesmo depois de
despertos, queriam permanecer deitados ou sentados para, dessa maneira assitir
à celebração. Quando se está em multidão, os diálogos tendem a não ser tão
pacíficos, mas, inesperadamente apresentam-se Padre Gabriel e Mauro: o segundo
começa a conversar com os irmãos da língua espanhola e explicar-lhes que eles
poderiam continuar alí, desde que ficassem também de pé, para dar espaço para
os muitos que se aglomeravam; o primeiro retirou da mochila o Livro Litúrgico
da JMJ e iniciou a oração das laudes matutinas da liturgia das horas. Com uma
Ave Maria, Gabriel desarmou corações que se estranhavam dos dois lados. A
Virgem Maria, com seu inabalável amor, intercedeu e a situação finalmente foi
pacificada.
Gabriel e Mauro me mostraram que é nas muitas trincheiras
que se formam cotidianamente por desentendimentos e endurecimento de coração, que
o peregrino orante deve estar com sua bandeira branca da paz, que é a palavra e
a ação do Cristo. Toda guerra travada traz consigo a incompreensão dos motivos
do oponente; toda guerra é a intolerância indo às vias de fato. Não continuemos
a pronunciar a frase: “não vou intervir porque fulano não tem mais jeito!”. Tem
jeito, sim! Falta que construamos a ponte da tolerância e do diálogo pacífico.
A inocência da descoberta e do maravilhamento
Na especial noite de vigília em que as areias de Copacabana
transformaram-se em aquecidos e confortáveis lugares de oração e descanso,
quando já passava da meia noite, resolvi deixar por alguns instantes o lugar
onde estava alojado para comprar uma comida quente para mim e para os meus
companheiros. Foi difícil caminhar por entre tantos e tantos jovens deitados
nos mais improváveis lugares para não perder nenhum instante daquele momento da
mais forte oração vigilante. Quando consegui passar para a parte do comércio de
Copacana, tive aquele que, para mim, foi o mais lindo encontro, na melhor
expressão deleuziana, durante a JMJ. Diz o filósofo Giles Deleuze reportando-se
a Espinosa que, na filosofia o bom encontro é criador de novos conceitos.
Espinosa considera corpo e alma no mesmo nível. Para ele, o corpo corresponde à
extensão de Deus. Sendo assim, aqui digo: todo encontro verdadeiro entre
pessoas à luz de Cristo é aquele gerador de novos afetos e propiciador de
tomada de novas atitudes de fé, esperança e caridade.
O encontro verdadeiro a que me reporto se deu na fila de uma
lanchonete, com o jovem casal de namorados Juliana e Rodrigo, peregrinos do
estado de Goiás, região centro-oeste do Brasil. Nesse encontro conversávamos
sobre detalhes técnicos da organização da JMJ e das mudanças que precisaram
acontecer de última hora, como a não realização da vigília em Guaratiba. Em
certo ponto da conversa, os escutei relatar o quanto foi sofrida sua vinda para
o Rio de Janeiro: Vieram de ônibus; hospedaram-se num alojamento em bairro distante
3h dos atos centrais da JMJ; faltou comida e dinheiro; sentiram frio... Foi
então que eles concluíram o relato, dizendo: “nada disso nos tirou a alegria de
estar aqui vivendo intensamente a Jornada. A JMJ já está sendo inesquecível
porque foi por meio dela que nós tivemos a oportunidade de andar de trem e de
ver o mar por primeira vez”.
Da garganta de Juliana e Rodrigo vazava a voz do Cristo que
me dizia: a fé é um exercício de descoberta ininterrupta que acessa nosso
espírito pela pulsão do maravilhamento. É preciso nos maravilharmos na fé.
Agindo assim, a Palavra e as atitudes de Cristo serão sempre novas, inéditas,
inaugurais, iniciáticas como andar de trem ou ver o mar pela primeira vez.
Complemento com mais uma frase do sucessor de Pedro: “o jovem tem a ilusão da utopia, e a utopia não é sempre ruím. A utopia é
respirar e olhar adiante. O jovem é mais espontâneo. Menos experiência de vida,
é verdade. Mas às vezes a experiência nos freia.”. É preciso ter em
conta que na fé nunca somos experientes o suficiente; há sempre o novo, o
desconhecido, o nunca visto; um mundo novo por descobrir.
Essa fé, essa “boa nova” retroalimentada na Jornada Mundial
da Juventude precisa se reverberar no nosso corpo e no nosso espírito por meio
de nossas atitudes. Não guardemos o envio entusiástico que nos permitiu o Santo
Padre; não privemos o outro dessa maravilha que é viver, agir e ser como o
Cristo vivo. Saiamos da armadilha do modo stand by de ser católicos e desloquemo-nos
em pensamentos, orações e ações desejando e fazendo com o outro, aquilo que
gostaríamos que fizessem conosco. Eis o princípio antropoético, a dimensão
antropológica da ética que deve estar presente na peregrinação orante.
A desconformidade ou o modelo
quaternário
Para finalizar, decidi colocar em prática uma das mensagens
do Papa Francisco, direcionada a nós jovens. Ele diz que nós devemos fazer
valer a nossa potencial energia para defender nossas ideias; disse que somos
essencialmente “desconformes”. Essa expressão faz muito sentido quando pensamos
a transição ou até mesmo a travessia que o jovem precisa fazer para ser no
mundo. Ele não é mais uma criança, tampouco é um adulto; traz em si um que de
desencaixe da trivialidade.
Para exercitar minha desconformidade resolvi romper com o modelo
trinitário tão utilizado nas exortações, reflexões e homilias do Santo Padre e
optar por um modelo quaternário. Incluo um quarto encontro de peregrinação
orante que vem agir como o elemento da desconformidade ou da desordem, conforme
sugere a psicanalista brasileira Nise da Silveira em seus estudos. Esse quarto
elemento, segundo Silveira, amplia as possibilidades de percepção e
aprendizagem porque nos retira do lugar que já nos parece consolidado,
auto-organizado, triangular.
Findada a programação formal da JMJ - Rio 2013, quando
faltavam apenas alguns minutos para a minha partida rumo ao aeroporto para
regressar à minha casa, encontro o jovem Alejandro, natural de Havana/Cuba que
veio participar da Jornada com passagens custeadas por amigos norte-americanos.
Alejandro estava conhecendo algumas igrejas do Rio de Janeiro e, naquele
momento, chegava para conhecer a capela de Santo Antônio de Pádua, local onde
fiquei confortavelmente hospedado durante a JMJ, sob o caloroso acolhimento do
Padre Aldo Souto e seus paroquianos. Enquanto fechava minhas malas, o Padre
Aldo me pediu que ajudasse com o espanhol na apresentação da capela a um
estrangeiro e foi ai que pude conversar, por alguns poucos minutos, com
Alejandro. Sabendo que Deus age no kairós, um tempo diferente
do chronos, os 15 minutos
foram suficientes para que ele me contasse as agruras que enfrenta em seu país
de origem, tais como privações, bloqueios, censuras, largas cargas horárias de
trabalho em troca de baixa remuneração e carências de todas as ordens. Nesse
mesmo tempo, Alejandro, um jovem de 22 anos me fez a contundente confissão de
que estava buscando uma pastoral ou movimento que cuidasse de migrantes, porque
estava prestes a tomar a mais importante e desesperada decisão de sua vida:
ficar em definitivo no Brasil, não como uma fuga, mas como a possibilidade de
ajudar sua família imersa numa vida desprovida do mínimo para sua dignidade.
Ele falou: “Corro o risco de ser deportado por ficar clandestinamente no Brasil
e, se assim suceder, serei preso no meu país”. E continuou: “Essa é a primeira
viagem internacional que faço e, pelas condições de vida que levo, é certo que
será também a última. Preciso fazer valer a pena!”. Diante de tão forte e
emocionado relato, fui tomado por uma paradoxal situação. Oscilei entre o sapiens e o demens da condição
humana.
O meu lado sapiens, aquele que me faz pensar por
meio da objetividade, me advertia: esta situação não é possível porque trata-se
de um problema diplomático sério que pode desencadear graves estranhamentos
entre os dois países. Esse pensamento se constitui a partir do conhecimento do
mundo das regras alfandegárias e fronteiriças instituídas pela cultura da
fragmentação da vida em múltiplas pátrias. Nosso lado sapiens nos dá a
prudência para a reflexão, mas em muitos casos também nos freia e nos impede de
arriscar, de transgredir, de revolucionar.
O meu lado demens, o da loucura, do jogo, do
lúdico, da criatividade e da fé, me fez recordar a ideia de mundialização que
me é tão cara. Pensar de forma mundializada é perceber que as barreiras
alfandegárias negam a ideia de “Terra-Pátria” tão defendida pelo pensador
francês Edgar Morin; a ideia de que estamos todos numa mesma nave espacial,
sujeitos às mesmas intempéries naturais e artificiais. Em outras palavras, a
ideia de Terra-Pátria abole as fronteiras e demarcações criadas por nós para
separar não apenas nações, mas pessoas, corações, vidas. O meu lado demens tomado pela
emoção, me dizia: fique! Não volte para o seu país! Aqui você prosperará,
afinal, qual o problema de um jovem querer ser um pouco mais feliz e fazer
felizes àqueles que ama?
Naquele momento, apenas silenciei e fiz uma breve oração,
pedindo para que Deus o ajudasse a discernir o que seria melhor. O que fazer
diante de tal paradoxo? O que dizer para aquele jovem temente a Deus que
experimenta a desesperada vontade de mudar de vida? Foi ai que a carona chegou
e segui para o aeroporto onde tomei este avião, lugar de escritura desta última
parte do texto que nasce entre dois rios: o Rio de Janeiro e o Rio Grande do
Norte.
Num exercício de peregrinação orante, Jesus me mostrou dois
ensinamentos a partir do encontro com Alejandro: aprendi que é preciso fazer
valer a pena e que é preciso escolher ousadamente. A vida é escolha e toda
escolha traz consigo a exclusão. Quando elegemos algo, abrimos mão de todas as
outras possibilidades.
Agora pergunto a você com quem dividi essas peregrinações
orantes: Você já fez a sua escolha? Você quer continuar sendo um católico stand
by ou vai entrar
em modo on?
Que Deus te abençoe grandemente!
[1] Professor
do Centro de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (C&T/UFRN). Doutorando do Programa de Pós-graduação em Ciências
Sociais/UFRN. Pesquisador do Grupo de Estudos da Complexidade (GRECOM).