Precisamos abrir os "olhos" do coração
A fé é um dom de Deus; precisamos pedi-la. Mas também
mencionávamos que existe a “nossa parte”, algo que nós devemos fazer. E essa
parte tem dois aspectos:
O negativo é remover os obstáculos que nos impedem de ter
fé; o positivo, já mencionado, é sair da ignorância, conhecer e estudar a
doutrina, os “conteúdos” da fé, e nos esforçar para viver dessa fé. Vou
deter-me apenas no primeiro aspecto, naquilo que bloqueia a fé no nosso
coração.
Quando, após ouvirem a parábola do semeador, os discípulos
se aproximaram de Jesus para pedir-Lhe uma explicação, Cristo falou-lhes de
dois olhares espirituais, os quais podem nos levar à tristeza ou à alegria.
O primeiro olhar é o dos que têm o coração culpavelmente
endurecido, “engordurado” de coisas materiais. "O coração deste povo
tornou-se 'engordurado', duro, e duros também os seus ouvidos: fecharam os
olhos para que seus olhos não vejam e seus ouvidos não ouçam, nem seu coração
compreenda; para que não se convertam e eu os sare"(Mt 13,15; e Is
6,9-10).
O segundo olhar é o dos homens e mulheres de boa vontade,
como eram aqueles que ouviam sinceramente a Cristo. A eles diz Jesus: Quanto a
vós, felizes os vossos olhos, porque veem; e os vossos ouvidos, porque ouvem.
Em verdade vos digo: muitos profetas e justos desejaram ver o que estais vendo,
e não o viram; e ouvir o que estais ouvindo, e não o ouviram (Mt 13,16-17).
O que é que fecha os “olhos do coração” (Ef 1,18)? Jesus o
esclarece: Se teu olho estiver são, todo o teu corpo – tudo em ti – estará
iluminado; mas, se estiver em mau estado, o teu corpo estará em trevas. Vê,
pois, se a luz que está em ti [o que tu julgas ver claro, tuas ideias, tua “fé”
prefabricada] não será escuridão (Lc 11,34-35).
Fica na “escuridão” o coração que refuga a verdade, que ama
mais o prazer, a satisfação egoísta (e a
simples “opinião pessoal”) do que a verdade. Cumpre-se nele o que diz o Senhor:
"Todo aquele que faz o mal odeia a luz e não vem para a luz, para que suas
obras não sejam reprovadas (Jo 3, 20).
E o que abre os olhos do coração? A pureza interior. Felizes
os puros de coração, porque eles verão a Deus (Mt 5,8). É puro o coração
sincero, o que é reto, o que quer saber, o que não trapaceia com a consciência,
o que ama a verdade, o que não desvia o olhar antes de ver. Aquele que pratica
a verdade aproxima-se da luz (Jo 3,21).
A má vontade, como acabamos de mencionar. Uma má vontade que
se desdobra em várias “impurezas” do coração, em que vale a pena insistir.
Tomara que isso possa nos ajudar a abrir as portas do coração a Cristo, que
bate nelas com força neste Ano da Fé (cf. Ap 3,20).
A “impureza” mais comum – já o víamos – é o endurecimento no
erro, no pecado, que leva a não querer mudar e, antes disso, a não querer nem
saber do que é certo ou errado. São Paulo fala com clareza dessa doença do
coração, referindo-se aos que, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como
a Deus que é, nem lhe renderam graças, antes se perderam nos seus pensamentos,
obscurecendo-se deste modo o seu coração insensato. Julgando-se sábios,
tornaram-se estúpidos [...]. Por isso Deus os entregou à impureza, de acordo
com os desejos de seus corações… (Rm 1, 21-22.24).
Santo Tomás de Aquino comenta que há dois pecados que costumam opor uma barreira à fé: a luxúria, ou seja, a sexualidade desregrada, e a “acídia”, que é a preguiça espiritual, a repugnância gratuita pela religião e a aversão aos bens da alma, próprias do “homem carnal”, expressão bíblica que significa principalmente “homem orgulhoso e egoísta”.
A mais comum – já o víamos – é o endurecimento no erro, no
pecado, que leva a não querer mudar e, antes disso, a não querer nem saber o
que é certo ou errado. São Paulo fala claramente dessa impureza do coração,
quando menciona os que tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como a Deus
que é, nem lhe renderam graças, antes se perderam nos seus pensamentos,
obscurecendo-se deste modo o seu coração insensato. Julgando-se sábios,
tornaram-se estúpidos [...]. Por isso Deus os entregou à impureza, de acordo
com os desejos de seus corações… (Rm 1, 21-22.24).
Santo Tomás de Aquino comenta que há dois pecados que
costumam opor uma barreira à graça da fé: a luxúria, ou seja, a sexualidade
desregrada; e a “acídia”, que é a preguiça espiritual, a repugnância gratuita
pela religião, a indiferença e até mesmo a aversão aos bens da alma, próprias
do “homem carnal”, expressão bíblica que significa principalmente “homem
egoísta”.
Foi isso o que retraiu da fé o governador romano da
Palestina, Félix. Estando São Paulo preso na cidade de Cesaréia marítima, sede
do governo do representante de Roma, mandava chamá-lo com frequência para
conversar com ele, e ouvia-o falar da fé em Jesus Cristo. Mas, como Paulo lhe
falasse sobre a justiça, a castidade e o juízo futuro, Félix, todo atemorizado,
disse: “Por ora, podes retirar-te. Chamar-te-ei na próxima oportunidade” (cf.
At 24,24-26). Nem quis escutar.
Outra impureza do coração é a boa vontade insincera, que tem
medo de complicar a vida: medo da luta, dos sacrifícios que podem ser
necessários para se aproximar de Deus e cumprir a Sua vontade. Santo Agostinho
experimentou-a, e escrevia, já consciente de que Deus o chamava à conversão:
«Interiormente, dizia de mim para mim: “Vamos agora, agora!” Estava já a ponto
de passar da palavra às obras, no limiar da ação, mas não agia.
Podia mais em mim o mal que já se fizera hábito do que o bem
a que eu não me habituara. Ia-me apavorando cada vez mais, à medida que se
aproximava o momento decisivo… Eram bagatelas as coisas que me retinham,
vaidades de vaidades, minhas antigas amigas; puxavam-me pela minha roupa de
carne e diziam-me em voz baixa: “Queres deixar-nos? Tão mal nos portamos
contigo?”» (Confissões, Livro 8, cap. 11).
Há ainda uma outra impureza do coração, tão sutil como
perniciosa: a tibieza, a fé morna unida ao amor morno. Cristo, quando apareceu
a São João na ilha de Patmos – onde João, desterrado, escreveu o Apocalipse –,
fez-lhe o retrato espiritual desses cristãos “satisfeitos”, que às vezes
precisam tanto ou mais de conversão do que os pagãos e os descrentes: Conheço
as tuas obras: não és nem frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente! Mas,
como és morno, nem frio nem quente, estou para te vomitar da minha boca …Porque
dizes: de nada necessito… e não sabes que és infeliz, miserável, pobre, cego e
nu. Aconselho-te que compres de mim…um colírio para ungir teus olhos, de modo
que possas ver claro. Eu repreendo e castigo aqueles que amo (Ap, 3,14-19).
Padre Francisco Faus