segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

A TEMPERANÇA



A virtude cardeal da temperança

Depois de meditar sobre a temperança em sentido amplo – a moderação necessária para todas as virtudes – consideremos agora a virtude cardeal da temperança.
O Catecismo fala das várias dimensões essa virtude. De modo geral, a define como «a virtude moral que modera a atração pelos prazeres e procura o equilíbrio no uso dos bens criados. Assegura o domínio da vontade sobre os instintos e mantém os desejos dentro dos limites da honestidade» (n. 1809).
Podemos dizer, com outras palavras, que a temperança estabelece e mantém o equilíbrio, a harmonia, entre a dimensão espiritual e a dimensão corporal do homem.
Por ela, o espírito (a razão e a vontade, mais a graça do Espírito Santo) “modera” as tendências instintivas da natureza e a ânsia de prazer. Mantém equilibradas, especialmente, as tendências e prazeres ligados à autoconservação (comer, beber, descansar, sexualidade). Faz com que vivamos de acordo com a dignidade humana e com a condição de filhos de Deus.
Moderar não é anular

É importante reparar que, ao definir a temperança, o Catecismo não usa as expressões “suprime”, “reprime”, “abafa”…
O Cristianismo não é inimigo do corpo, nem do prazer. Basta pensar que Deus assumiu um corpo humano em Jesus Cristo – que nós adoramos na Eucaristia (cf. Jo 6,56) –, e que o primeiro milagre de Cristo foi a transformação da água em vinho, em Caná, para que não se perdesse a alegria de um banquete de casamento (Jo 2,1ss).
Por isso, Santo Tomás de Aquino falava do “pecado da insensibilidade”, que se dá quando «se rejeita o prazer, a ponto de abandonar as coisas que são necessárias à conservação da natureza»; e até afirmava que «se alguém se abstivesse do vinho de tal maneira que com isso prejudicasse a natureza, não estaria livre de culpa» (Suma Teológica, 2-2,142,1 e 153,4)
Dizer que a matéria e o corpo são maus é uma afirmação própria da heresia do maniqueísmo, é anticristã. Justamente porque o corpo é criado por Deus, porque é um grande dom de Deus, é necessário mantê-lo equilibrado dentro de seu bem razoável, a fim de que nem os abusos, nem as deturpações, nem as loucuras o aviltem ou o estraguem. Esta é a função da virtude da temperança.
Alguém dizia que, simbolicamente, Deus pôs o homem em pé, para que entendesse que a cabeça está por cima do resto: a cabeça está por cima do coração; e cabeça e coração, por cima do ventre e do sexo. Transtornar essa ordem, colocando a gula ou o sexo acima do coração (do amor) e da cabeça (num plano meramente instintivo e irracional), isso é degradar o homem.
A ordem e a desordem no prazer

            Ao texto acima citado, o Catecismo acrescenta que «a pessoa temperante guarda uma santa discrição e não se deixa arrastar pelas paixões» (cf. n. 1809).
Vida virtuosa é “vida em ordem”, guiada pela razão e pelas luzes de Deus. O pecado é uma desordem: a falta de harmonia com Deus, com a verdade e com o bem.
Em que consiste a desordem, em matéria de temperança?  Fundamentalmente em três coisas:
A) Usar o que existe para o bem como instrumento para o mal.
Pensemos que, em geral, o homem pode usar as suas mais nobres faculdades, a inteligência e a vontade, para o mal: para criar armas de destruição em massa, ou planejar e executar guerras, crimes e injustiças.
A intemperança reflete esse tipo de desordem:
a) transformar aquilo que existe para servir à vida – o alimento e a bebida – em instrumento do mal, que leva a perder o a saúde física e psíquica;
b) usar o sexo, que é manifestação santa de amor entre os esposos e colaboração com Deus criador, em mero gozo sem responsabilidade, ou em crime (abuso de menores), ou em adultério e traição.
B) Transformar o que existe para “servir” em tirano que escraviza.
Comida, bebida, sexo, são, no plano de Deus criador, “servidores” da vida e do amor.
Quando descambam e se tornam um vício egoísta, uma obsessão doentia, então o “servidor” vira “amo e senhor” que escraviza.
O viciado alega que é livre, mas engana-se. Quando pratica os vícios ligados ao prazer físico, diz que faz o que quer, porque é livre, mas só faz o que não consegue deixar de fazer: já não tem mais o poder de “não querer”; tornou-se escravo (do crack, do álcool, do sexo obsessivo-compulsivo, etc).
C) Transformar os meios em fins
Transformar um meio em fim é o máximo da desordem, que já percebemos nas considerações anteriores. É conhecida a frase de que “alguns, em vez de comer para viver, vivem para comer”.  O meio de transformou em fim. Da mesma forma, há os que transformaram o sexo sem amor e sem regra na finalidade da vida (É triste ler, num texto de certa escritora conhecida por seus escassos escrúpulos morais, que “viver é copular”…).
Temperança é grandeza humana

É claro que a temperança exige o domínio sobre os desejos egoístas e abusivos. Esse domínio é conquistado pelo amor ao bem, pela petição do auxílio divino, e pela imprescindível mortificação (com atos frequentes de autodomínio).
Vale a pena transcrever as seguintes palavras de São Josemaria Escrivá sobre a temperança:
«Temperança é espírito senhoril. Nem tudo o que experimentamos no corpo e na alma deve ser deixado à rédea solta [...]. Eu quero considerar os frutos da temperança, quero ver o homem verdadeiramente homem, livre das coisas que brilham, mas não têm valor.
»Esse homem sabe prescindir do que faz mal à sua alma e apercebe-se de que o sacrifício é apenas aparente, porque, ao viver assim – com sacrifício – livra-se de muitas escravidões e no íntimo do seu coração consegue saborear todo o amor de Deus.
»A vida recupera então os matizes que a intemperança esbate. Ficamos em condições de nos preocuparmos com os outros, de compartilhar com todos as coisas pessoais, de nos dedicarmos a tarefas grandes. A temperança cria a alma sóbria, modesta, compreensiva; confere-lhe um recato natural que é sempre atraente, porque se nota na conduta o império da inteligência. A temperança não supõe limitação, mas grandeza. Há muito maior privação na intemperança, porque o coração abdica de si mesmo para ir atrás do primeiro que lhe faça soar aos ouvidos o pobre ruído de uns chocalhos de lata» (Amigos de Deus, n. 84).


Pe. Francisco Faus