1. O desafio ecumênico
contemporâneo
1) Sem dúvida, o ecumenismo
constitui um dos maiores desafios que a Igreja do terceiro milénio é chamada a
enfrentar. O movimento ecumênico, suscitado e promovido pelo Concílio
Vaticano II, é
uma exigência intrínseca
da sua própria vida. Com efeito, a Igreja de Cristo não é apenas
"santa": trata-se da Igreja
"una, santa e católica", como diz o Símbolo da fé
niceno-constantinopolitano. Consequentemente, o ecumenismo não
é um acessório, uma questão mais ou menos
importante, mas um dever
urgente de todos os cristãos.
Antes de deixar este mundo, Jesus
pediu ao Pai "que todos sejam um, como Tu, Pai, estás em mim e Eu em
ti" (Jo 17, 21). A ninguém passa despercebido o significado eclesial desta
profunda oração de Jesus na última Ceia, naquela intensa atmosfera de comunhão
em que Ele instituiu o"sacramentum amoris", que constitui o seu
testamento mais precioso; naquela refeição de despedida dos seus, antes de os
deixar e voltar para o Pai, depois de ter cumprido a sua missão na terra.
A unidade pedida por Cristo para
os seus discípulos constitui uma participação na unidade existente entre o Pai
e o Filho: "Como Tu estás em mim e
Eu em ti"; uma reprodução ou, se quisermos, um reflexo visível da própria
unidade trinitária. Portanto, os cristãos devem apresentar-se aos homens que se
sucedem no tempo como "um povo reunido na unidade do Pai, do Filho e do
Espírito Santo" (São Cipriano, De Orat. Dom. 23: PL, 4, pág. 553).
É por esta unidade do seu Corpo
místico que Cristo se oferece a si mesmo "em sacrifício" (cf. Jo13,
1).
Devemos realçar o fato de que
Jesus pede o dom da unidade não só para os discípulos que se sentam à mesa com
Ele, para celebrar a Páscoa, mas "também para todos os que acreditarem em
mim, depois de terem escutado a sua palavra" (Jo 17, 20) e, mediante o batismo,
formarem ao longo dos séculos o seu Corpo terrestre, que é a Igreja. Ele deu a
sua vida por eles e por todos. Com efeito, morreu para "reunir os filhos
dispersos" (Jo 11, 52).
É na Eucaristia, sacramento da
"koinonia cristã", que se exprime e se realiza a plena unidade do
Povo de Deus (cf. Lumen gentium, 3; cf. também 1 Cor 10, 17). Em lado algum
como ao redor do altar ele parece, e é, perfeitamente um. O novo Povo
messiânico, convocado pela Palavra na Celebração eucarística, proclama
publicamente diante do mundo, que todos os seus membros tiram a sua vida de uma
única fonte, de um único e mesmo pão, que desceu do céu (cf. Jo 6, 50),
recebido numa fé conjunta e para uma esperança comum. A Igreja é una, porque
uma só é a Eucaristia. Esta é a verdadeira fonte daquela (cf. Saraiva Martins,
J., I Sacramenti dell'iniziazione cristiana, pp. 246-247).
2) Sem dúvida, a procura da
unidade entre os cristãos alcançou progressos. A este propósito, a grande
celebração jubilar registrou, realça o Papa (João Paulo II), "alguns
sinais verdadeiramente proféticos e comoventes" (Novo millennio ineunte,
48). E no Discurso à Cúria Romana, na época, ele, por ocasião das boas-festas
de Natal, falou dos "progressos que, também foram alcançados ao longo do
caminho ecuménico", embora, realçou ainda o Papa, "é necessário
reconhecê-lo, não tenham faltado motivos de amargura". E na homilia de 31
de Dezembro de 2002, por ocasião do "Te Deum" e das primeiras Vésperas
da solenidade de Maria Santíssima, Mãe de Deus, o Sumo Pontífice deu graças a
Deus pelos "momentos significativos do nosso difícil caminho
ecuménico". Com efeito, os cristãos mostram-se cada vez mais sensíveis à
questão da unidade. Eles têm uma maior consciência da importância vital do
diálogo ecuménico para a Igreja. E, por isso, é necessário dar graças ao Senhor
que, através do seu Espírito, impele cada vez mais os discípulos de Cristo para
a sua plena comunhão.
Todavia, o caminho ainda está
repleto de dificuldades, tanto de ordem teológica como psicológica. "Os
tristes legados do passado vão acompanhar-nos ainda para além do limiar do novo
milénio" (Novo millennio ineunte, 48). Nem todos os obstáculos
desapareceram. O caminho que se deve percorrer ainda é longo (cf. Ibidem).
Precisamente por isso, na
proximidade do novo milénio, o Papa exortava vigorosamente a Igreja a
"implorar ao Senhor que cresça a unidade de todos os cristãos nas diversas
Confissões, até alcançar a plena comunhão" (Tertio millennio adveniente, 34).
E na Novo millennio ineunte, ele afirmou que a plena unidade dos cristãos
constitui um "dom que precisa de ser acolhido e fomentado de maneira cada
vez mais profunda" (NMI, n. 48).
Em ordem a esta finalidade, não
podemos esquecer que o "Ut unum sint" de Cristo deve ser, para nós,
"simultaneamente imperativo que nos obriga, força que nos sustenta,
salutar censura à nossa preguiça e mesquinhez de coração" (Novo millennio
ineunte, 48); é necessária uma consciência cada vez mais clara da gravidade da
divisão entre os cristãos e, por conseguinte, da urgência de restabelecer
quanto antes a plena unidade entre eles:
"Cada dia que passa - afirmou o Papa - torna a unidade mais
urgente" (em:
"Insegnamenti", III/1, pág. 171); é preciso reagir, com
renovado impulso, contra aquela que, às vezes, é definida como a "crise do
ecumenismo"; é necessário olhar cada vez mais para as luzes do que
para as
sombras (cf. Discurso
à Cúria Romana, op.
cit.); por fim,
é preciso "prosseguir confiadamente
pelo caminho, suspirando pelo momento em que poderemos, com todos os discípulos
de Cristo sem exceção, cantar juntos com toda a nossa voz: "Como é bom e agradável viverem os
irmãos em harmonia!" (Sl 133 [132],
1)" (Novo millennio ineunte, 48).
O compromisso ecumênico não pode
deixar de empenhar toda a comunidade eclesial (cf. Ut unum sint, 82). Trata-se
de uma tarefa irrenunciável, que pertence a todos os batizados. Obviamente,
cada um segundo o papel, o carisma e a competência que lhe são próprios. A
solicitude pelo restabelecimento da união desejada por Cristo, lê-se na
Unitatis redintegratio, "diz respeito a toda a Igreja, tanto aos fiéis
como aos pastores, cada um segundo a sua própria capacidade, quer na vida cotidiana,
quer nas investigações teológicas e históricas" (UR, n. 5).
O compromisso dos fiéis em
benefício da unidade exige a sua adequada formação ecuménica. Ela levá-los-á
não apenas a compreender melhor o verdadeiro alcance do ecumenismo, mas também
a ser eficazes promotores do mesmo; não só a aprofundar a sua própria fé e a
consolidá-la sem ambiguidades, mas também a conhecer melhor e a estimar os
outros cristãos. E isto "não pode senão facilitar o compromisso conjunto
da procura da unidade em toda a verdade" (Catechesi tradendae, 32). Efetivamente,
para os católicos, o verdadeiro ecumenismo não pode consistir de modo algum na
renúncia à sua própria fé, nem a uma parte da mesma. "O ecumenismo -
afirma um autor - não se realiza mediante irenismos ou minimalismos
teológicos" (L. Sartori, L'unità dei cristiani, Messaggero, Pádua, 1992,
pág. 61). Pelo contrário, eles poriam fim ao verdadeiro ecumenismo.
2. Santidade e ecumenismo
Unidade dos cristãos e santidade
não são duas realidades autónomas, independentes uma da outra. Ao contrário,
elas constituem duas realidades intrinsecamente unidas entre si e absolutamente
inseparáveis, dado que se compenetram e iluminam uma à outra. Trata-se de duas
"características" essenciais da Igreja de Cristo, como se exprimem os
manuais de eclesiologia. Ambas pertencem à mesma identidade da Igreja.
O caminho ecuménico - observa um
bispo italiano - "não é uma obra de "engenharia eclesiológica",
nem consiste na reunião de "fragmentos": a "communio" é communio sanctorum,
sanctarum rerum e de maneira fontal, Sancti. Cada passo dado estará sempre
ligado ao amadurecimento desta dimensão "espiritual" de todos os
membros da Igreja" (L. Chiarinelli, Valore ecumenico della santità, 2002,
pág. 5). É o que nos recorda o Papa, quando afirma que, para apressar a alegria
da comunhão plena com os irmãos ortodoxos, "é necessário... intensificar
sobretudo o ecumenismo da oração e da santidade" (Discurso à Cúria
Romana).
Por conseguinte, os verdadeiros
protagonistas do ecumenismo não são os homens, mas o Espírito Santo e
Santificador, que é também o Espírito de unidade. É Ele que faz de muitos um só
corpo, um só coração e uma só alma, como acontecia nas primeiras comunidades
cristãs (cf. Ef 4, 4; cf.At 4, 32). "O ecumenismo, realçam os Bispos
europeus, vive do facto que nós escutamos em conjunto a Palavra de Deus e
deixamos que o Espírito Santo atue em nós e através de nós. Em virtude da graça
assim recebida, realizam-se hoje múltiplos esforços, mediante orações e
celebrações, orientadas para aprofundar a comunhão espiritual entre as Igrejas
e para pregar a unidade visível da Igreja de Cristo" (Conselho da
Conferência Episcopal da Europa, Conferência das Igrejas Europeias,
"Charta Oecumenica", n. 5, em:
Il Regno 9, [2001], pág. 317).
1) De modo mais particular há que
realçar, em primeiro lugar, o vínculo intrínseco entre ecumenismo e conversão,
em que consiste, em última análise, a santidade cristã. Com efeito, santo é
aquele que vive num contínuo estado de conversão a Cristo, que é a santidade
encarnada do Deus "três vezes Santo". Conversão que o leva a
identificar-se cada vez mais perfeitamente com Ele, até poder dizer, como o
Apóstolo: "Não sou eu que vivo, é
Cristo que vive em mim" (Gl 8, 20).
O Concílio é mais explícito e
categórico do que nunca, quando realça o profundo vínculo entre ecumenismo e
conversão. "Não existe verdadeiro ecumenismo, lê-se na Unitatis
redintegratio, sem conversão" (UR, n. 7); e mais ainda: "A conversão do coração e a santidade de
vida... devem ser consideradas como a alma de todo o movimento ecuménico e
podem justamente chamar-se "ecumenismo espiritual"" (Unitatis
redintegratio, 8). Esta relação fundamenta-se no fato de que "o desejo da
unidade... nasce e amadurece a partir da renovação da mente, da abnegação de si
mesmo e do pleno exercício da caridade... (Por isso) há que recordar que todos
os fiéis promoverão tanto melhor, aliás, viverão a nível prático a unidade dos
cristãos, quanto mais estudarem e levarem uma vida mais em conformidade com o
Evangelho" (Ibid., n. 7), ou seja, uma vida santa.
João Paulo II não é menos claro a
este propósito. Ele tem realçado com vigor,
muitas vezes, a dimensão espiritual
do ecumenismo, em particular o
seu vínculo com a conversão do
coração dos indivíduos e da própria Comunidade eclesial.
Já na Encíclica "Ut unum
sint", sobre o compromisso ecuménico, o Sumo Pontífice afirma que a
"conversão dos indivíduos cristãos e... a contínua reforma da Igreja,
enquanto instituição também humana e terrena... constituem as condições
preliminares de todo o empenho ecuménico. Um dos procedimentos fundamentais do
diálogo ecumênico é o esforço de envolver as Comunidades cristãs neste espaço
espiritual, completamente interior, onde Cristo, pelo poder do Espírito, as
induz a todas, sem exceção, a examinarem-se diante do Pai e a interrogarem-se
se foram fiéis ao seu desígnio sobre a Igreja" (Ut unum sint, 82).
Neste documento, o Papa fala,
além disso, do "diálogo da conversão", em que se encontra o
fundamento interior do diálogo ecumênico", acrescentando que é na
conversão que "se encontra a força para levar a bom termo a longa e árdua
peregrinação ecuménica" (cf. ibidem), e que "a oração é a
"alma" da renovação ecuménica e do anseio pela unidade, sobre ela se
baseia e dela recebe apoio tudo aquilo que o Concílio define como
"diálogo"" (Ibid., n. 28).
Estes conceitos sobre a dimensão
espiritual do ecumenismo, ou seja, sobre a santidade e o diálogo ecuménico, são
retomados pelo Papa na Novo millennio ineunte. Ele admoesta contra a tentação
de "pensar que os resultados dependem da nossa capacidade de agir e
programar. É certo que Deus nos pede uma real colaboração com a sua graça...
mas ai de nós, se esquecermos que, "sem Cristo, nada podemos fazer"
(cf. Jo 15, 5)" (Novo millennio ineunte, 38). E isto vale também para o
ecumenismo. A unidade dos cristãos será sempre uma dádiva do Senhor, que
devemos acolher com sentimentos de profunda gratidão; será sempre fruto da
santidade dos discípulos de Cristo, porque ela é o húmus em que nasce, floresce
e amadurece a unidade desejada e pedida por Cristo no cenáculo. Somente a
santidade será capaz de "harmonizar a pluralidade da voz, numa sinfonia
unitária de verdade e de amor", como afirma o atual Sumo Pontífice. Em
síntese, somente uma Igreja santa nos seus membros será uma Igreja
verdadeiramente una.
2) Isto significa que a santidade
possui, em si mesma, um extraordinário valor ecumênico. Portanto, ela deve ser
procurada e vivida também sob esta dimensão. É precisamente isto que fizeram os
Santos e as Testemunhas da fé. Refletindo, de maneira especial, no seu rosto o
Rosto de Cristo e vivendo, em toda a sua radicalidade, o Evangelho da caridade
e da reconciliação, eles oferecem um vigoroso testemunho de comunhão a todos os
seus irmãos na fé, a todos os homens. Por conseguinte, os Santos são os
promotores mais eficazes da desejada unidade entre os cristãos.
O nosso saudoso o Papa João Paulo II realçou o valor ecumênico da santidade quando, na Tertio millennio
adveniente, afirma que o ecumenismo dos santos e dos mártires é, talvez, o mais
convincente: "A communio sanctorum
fala com voz mais alta que os factores de divisão" (Tertio millennio
adveniente, 37). Não há dúvida de que a linguagem da santidade e do martírio é,
no campo ecuménico, a mais compreensível e a mais eficaz.
O papel ecumênico
dos santos foi confirmado pelo Presidente do Pontifício Conselho para a Unidade
dos Cristãos. "Os santos, observava o Cardeal Walter Kasper, podem dar um
renovado impulso inclusivamente ao ecumenismo. Uma das raízes do movimento
ecuménico está na experiência conjunta das perseguições sofridas pelos cristãos
das várias confissões (cf. A. Riccardi, Il secolo del martirio I cristiani del
novecento, Milão, 2000). A profunda recordação do testemunho de numerosos
cristãos não pode permanecer infecunda, sob o ponto de vista ecuménico. Se o
sangue dos mártires é semente de novos cristãos (Tertuliano), podemos confiar
que o sangue comum, derramado pelas numerosas testemunhas das Igrejas
separadas, vai tornar-se semente de unidade para aquelas mesmas Igrejas. A lei
do grão de trigo vale também a propósito do movimento ecuménico. Caindo na
terra e morrendo, este grão produz muito fruto (cf.Jo 12, 24). O Papa João
Paulo II possuia o mérito de ter chamado a atenção para a dimensão martirológica
do ecumenismo, por ocasião da comemoração ecumênica das testemunhas [da fé] do
século XX" (W. Kasper, Il significato ecumenico della venerazione dei
Santi, pág. 9).
Quando se fala do valor ecumênico
da santidade deve recordar-se, em virtude da sua importância e significado, a
Beata Maria Gabriela Sagheddu, elevada às honras dos altares pelo atual Sumo
Pontífice, no dia 25 de Janeiro de 1983. Esta humilde religiosa trapista viveu
com particular intensidade a dimensão ecuménica da santidade. A Encíclica Ut
unum sint realça que ela "dedicou a existência à meditação e à oração,
centradas no capítulo 17 do Evangelho de São João, oferecendo-as pela unidade
dos cristãos. Está aqui o fulcro de toda a oração: a oferta total e sem reservas da própria vida
ao Pai, pelo Filho, no Espírito Santo" (Ut unum sint, 27). Por este
motivo, o Papa quis propô-la como modelo. Com efeito, o seu exemplo
"ensina-nos e faz-nos compreender que não existem tempos, situações ou
lugares particulares para rezar pela unidade. A oração de Cristo ao Pai é
modelo para todos, sempre e em qualquer lugar" (Ibidem).
Que Deus mande à sua Igreja
muitos santos que, a exemplo da Beata Maria Gabriela Sagheddu, vivam plenamente
a perspectiva ecumênica da santidade, oferecendo desta
maneira uma preciosa contribuição para a unidade dos
cristãos.
3. Ecumenismo e missão
Tudo quanto dissemos antes nos
leva a refletir sobre o terceiro aspecto do ecumenismo: a sua relação com a missão evangelizadora da
Igreja. O Concílio Vaticano II é mais claro do que nunca, quando confirma isto.
No pensamento dos Padres conciliares, a Unitatis redintegratio é um texto que
está intimamente ligado ao do Ad gentes, sobre a atividade missionária da
Igreja. Trata-se de dois momentos de uma única abordagem sobre o anúncio da Boa
Nova aos homens do nosso tempo. Considerá-los como dois documentos autónomos,
independentes um do outro, equivaleria a renunciar à compreensão do verdadeiro
conteúdo e do autêntico alcance tanto do primeiro como do segundo.
1) O vínculo entre ecumenismo e
missão é, em primeiro lugar, de ordem "genética", no sentido que o
movimento ecuménico nasceu e se desenvolveu em estreita relação com os
problemas da evangelização, e que a ideia ecumênica adquiriu consistência e se
difundiu no seio da Igreja, contemporaneamente a uma progressiva e cada vez
mais profunda consciência da sua vocação essencialmente missionária. A este
propósito, é mais significativo do que nunca que tenha sido o próprio Papa
Bento XV a considerar a obra ecuménica como "um dom de Deus para o
mundo" e a promulgar a primeira grande Encíclica missionária dos tempos
modernos: a "Divinum illud"
(30 de Novembro de 1919: AAS, XI [1919],
pp. 440-455); como o é também o facto de ter sido precisamente o Papa João XXIII,
segundo o Padre Ch. Boyer, a introduzir de maneira oficial o ecumenismo na
Igreja (cf. Ch. Boyer, L'ecumenismo nella Chiesa cattolica, em: "Via, Verità e Vita", 6, 1966, pág.
27) e a oferecer-lhe outra grande Encíclica missionária: a "Princeps pastorum" (AAS, 51
[1959], pp. 833-864).
Não nos deve impressionar o fato
de que o ecumenismo teve origem e foi valorizado no âmbito da missão. Com
efeito, é enquanto proclama o Evangelho do amor e da reconciliação, que a
Igreja é levada a interrogar-se, com urgência e força particulares mais
comprometedora do que nunca se a situação concreta corresponde ou não ao
imperativo de unidade que, por expresso desejo de Cristo, faz parte da sua
própria natureza, como Comunidade de salvação. Além disso, é no campo concreto
da missão que ela se dá particularmente conta do absurdo da divisão dos
cristãos e do doloroso escândalo que isso provoca num mundo, como o
contemporâneo que, apesar de tudo, parece caminhar, embora não desprovido de
dificuldades, para uma unidade cada vez maior nos vários sectores da vida: social, cultural e económico.
Portanto, é normal que seja
precisamente no campo da missão, onde a Igreja sente mais vivo, forte e urgente
o anseio de alcançar quanto antes a suspirada unidade dos cristãos.
2) A relação entre ecumenismo e
missão fundamenta-se, em segundo lugar, no facto de que a divisão dos cristãos
"impede... a causa da pregação do Evangelho a todas as criaturas"
(Unitatis redintegratio, 1). Trata-se de um pensamento que surge espontaneamente
e que é realçado no Decreto sobre a atividade missionária da Igreja, segundo o
qual "a divisão dos cristãos é... de grave prejuízo para a santa causa do
feliz anúncio a todos os homens e impede que numerosas pessoas abracem a
fé" (Ad gentes, 6; cf. n. 77).
E isto porque cada divisão entre
os discípulos de Cristo tira força, impulso e, portanto, eficácia e
credibilidade à sua palavra missionária. Foi o próprio Jesus que o disse
quando, na sua oração"pro unitate", pediu ao Pai que os acreditam
nele "sejam perfeitos na unidade, a fim de que o mundo creia que Tu me
enviaste e os amaste, como me amaste a mim" (Jo 17, 21).
À luz da oração de Jesus, e refletindo
sobre o pensamento conciliar, o Papa Paulo VI assim se expressava a este
propósito: "A força da evangelização
virá a encontrar-se muito diminuída, se aqueles que anunciam o Evangelho
estiverem divididos entre si, por toda a espécie de rupturas. Não residirá
nisto uma das grandes adversidades da evangelização nos dias de hoje?
Na realidade, se o Evangelho que
nós proclamamos se apresenta ferido por discussões doutrinais, polarizações
ideológicas, ou condenações recíprocas entre cristãos, ao capricho das suas
diferentes teorias sobre Cristo e sobre a Igreja... como não poderiam aqueles a
quem a nossa pregação se dirige, deixar de se sentir perturbados,
desorientados, se não mesmo escandalizados? (...) Sim, a sorte da evangelização
anda, sem dúvida, ligada ao testemunho de unidade dado pela Igreja"
(Evangelii nuntiandi, 77).
Obviamente, as palavras do Papa
Montini valem não apenas para a unidade interna da Igreja católica mas,
outrossim, para a unidade entre todos os crentes de Cristo e Ele, inseridos no
baptismo. Somente se estiverem unidos, eles se tornarão plenamente credíveis aos
olhos do homem contemporâneo. De modo particular, a Igreja será sempre
plenamente credível no seu anúncio de Cristo morto e ressuscitado, na medida em
que for "um só corpo e um só espírito" (Ef 4, 4), na medida em que
tiver "um só coração e uma só alma" (At 4, 32), como as primeiras
comunidades cristãs. Por conseguinte, o ecumenismo possui uma dimensão
profundamente missionária, assim como a missão possui uma dimensão
profundamente ecumênica.
Isto não faz senão realçar a
urgência de uma ação ecuménica cada vez mais intensa e corajosa. Por
conseguinte, o diálogo ecumênico deve constituir uma das prioridades pastorais
da Igreja do terceiro milénio. Está em jogo a própria causa do Evangelho e a
eficácia do anúncio do Reino de Deus ao homem contemporâneo. Com efeito, o
restabelecimento da plena unidade entre os cristãos "fará com que eles
mesmos sejam capazes... de proclamar com maior credibilidade o advento do
Reino" (João Paulo II, em:
"Insegnamenti", III/1 [1980], pág. 174).
Estes são os temas sobre os quais
a semana de oração pela unidade dos cristãos nos convida a meditar em cada ano.
Trata-se de uma reflexão que deve ser acompanhada e animada por uma oração cada
vez mais intensa ao Senhor para que, superando todas as divergências, os
discípulos de Jesus possam finalmente, com um só coração e uma só alma,
celebrar e participar juntos na única Eucaristia, fonte e expressão visível da
perfeita unidade do Povo de Deus.
CARDEAL JOSÉ SARAIVA MARTINS
|