Is
49,1-6 -Sl 138 - At 13,22-26 - Lc 1,57-66.80
Além
da Virgem Maria Mãe de Deus, Nossa Senhora, de nenhum outro santo a Igreja
celebra o nascimento, a não ser São João, chamado Batista, Batizador. Dele,
Jesus fez o maior elogio jamais feito pelo Salvador a alguém:“Em verdade vos
digo que, entre os nascidos de mulher, não surgiu nenhum maior que João, o Batista”
(Mt 11,11). Por isso, caríssimos, a hodierna solenidade!
Que
lições, que meditações, que exemplos poderíamos colher nesta Festa, tendo
escutado a Palavra que nos foi anunciada? Sugiro-vos três, que alimentem o
coração, afervorem o desejo de colocar-se ao serviço do Senhor e nos conduzam à
herança eterna.
Primeiro.
A primeira leitura da Liturgia nos fez escutar a profecia de Isaías, colocando
as palavras do profeta na boca de João Batista: “O Senhor chamou-me antes de eu
nascer, desde o ventre de minha mãe ele tinha na mente o meu nome… fez de mim
uma flecha aguçada e disse-me ‘Tu és meu servo, em quem serei glorificado’” E o
salmo de meditação fez eco a tão bela idéia: “Senhor, vós me sondais e
conheceis. Fostes vós que me formastes as entranhas/ e no seio de minha mãe vós
me tecestes./ Até o mais íntimo me conheceis;/ nenhuma sequer de minhas fibras
ignoráveis,/ quando eu era modelado ocultamente,/ era formado nas entranhas
subterrâneas!” O que aparece aqui, caríssimos em Cristo, é que viemos a este
mundo não por acaso, não sem um propósito. Somos todos fruto de um sonho de
Deus, fomos todos misteriosamente chamados à vida: o Senhor pensou em nós, nos
chamou, nos plasmou – e aqui estamos! O nascimento que hoje celebramos, do
filho de Zacarias e Isabel, foi fruto do desígnio amoroso do Pai, que pelo
Filho Jesus e para o Filho Jesus, na força do Espírito Santo, plasmou João. Por
isso seu nome é tão verdadeiro: “Iohanah”, em hebraico: Deus dá a graça! Ele
mesmo, João, já é uma graça de Deus para seus pais e para todos os que
esperavam a salvação de Israel.
Hoje,
quando um mundo insensível e descrente já não reconhece que a vida é um
mistério de amor, é um chamado de Deus, quantos são abortados, quantos deixados
de modo indigno e imoral no frio congelamento dos laboratórios de procriação
artificial: lá esquecidos, lá manipulados em inaceitáveis experiências
pseudo-científicas! Nós, caríssimos, que ouvimos a Palavra santa de Deus; nós,
que nos alegramos com este nascimento, nunca esqueçamos: toda vida humana é
sagrada do primeiro ao último instante do nosso caminho terreno. É imoral,
perverso e desumano um governo que reduz a questão do aborto a problema de
“política pública”. Um dia esses senhores irão prestar contas a Deus. Será
mesmo que Deus aceitará este argumento, que não passa de disfarce para matar?
Que o Senhor nos ajude a defender a vida, a gritar por ela! Que o Senhor também
nos dê a sabedoria para descobrir e experimentar que a nossa vida – por quanto
pobre e pequena – também e preciosa! Que hoje eu me pergunte: Qual o propósito
da minha existência? Já o descobri? Já me conformei a ele? Vosso sou, Senhor,
de vós nasci e para vós nasci! Que quereis fazer de mim?
Segundo.
Ainda que a vida nossa seja fruto do amor do Senhor, isso não significa
facilidades. João deveria preparar o caminho do Messias, do Cristo de Deus. E
isto iria custar-lhe: “Eu disse: ‘Trabalhei em vão, gastei minhas forças sem
fruto, inutilmente; entretanto o Senhor me fará justiça e o meu Deus me dará
recompensa’” O grande desafio da nossa vida de crentes é viver na presença de
Deus, é ser fiel à sua santa vontade e à missão que ele nos confiou. Ser fiel à
missão custou a João: a dureza do deserto, as incompreensões dos inimigos, a
trama de Herodíades, a dificuldade de perceber a vontade Deus (basta recordar
João perguntando a Jesus: “És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar um
outro?”- Mt 11,3) e, finalmente, o aparente abandono, o aparente absurdo do
silêncio de Deus, na solidão e na morte naquele cárcere. O que manteve João
fiel até o fim? A confiança no Senhor, a capacidade de deixar-se guiar por
Deus, sem querer ele mesmo controlar sua vida! Grande João! Fiel João! Pobre de
Deus, João! Que exemplo para nós, tanta vez tentados a fazer da vida o que bem
queremos, como se nascêssemos de nós mesmos e vivêssemos para nós mesmos! “Quer
vivamos quer morramos, pertencemos ao Senhor! (Rm 14,8)”
Terceiro.
Certa vez São Paulo escreveu: “Nenhum de nós vive para si…” (Rm 14,7) Desde o
ventre materno, o Senhor chamou João para ser o que prepara o caminho, o que
vem antes, o “pré-cursor” Toda a sua existência foi “precursar”! No terceiro
evangelho isso aparece de modo comovente: anuncia-se o nascimento de João e
depois o de Jesus; narra-se a natividade de João e a seguir a do Messias;
apresenta-se o ministério de João e, após sua prisão, o do Salvador;
finalmente, narra-se a morte de João, prenúncio da morte do nosso Senhor! Eis!
Não é fácil não viver para si, não é fácil deixar que Outro seja o centro! E,
no entanto, como diz a segunda leitura, “João declarou: ‘Eu não sou aquele que
pensais que eu seja! Depois de mim vem Aquele, do qual nem mereço desamarrar as
sandálias’”; “É necessário que ele cresça e eu diminua!” Santo profeta João
Batista: sendo humilde, foi o maior dos nascidos de mulher; sendo totalmente
preso à sua missão de modo fiel e constante, foi livre de verdade; sendo todo
esquecido de si e lembrado de Deus, foi maduro e feliz! Por isso mesmo, seu
nome foi verdadeiro e traduziu perfeitamente seu ser e sua missão: João,
Iohanah: Deus dá a graça. E a graça que, para seus pais, foi João no seu
nascimento, nas verdade era outra graça: a graça que Deus dá é Jesus, o
Messias; graça que João anunciou com seu nascimento, com sua vida, com sua
pregação e com sua morte!
Que
este grande profeta, o maior do Antigo Testamento, do céu interceda por nós,
nascidos do Novo Testamento e, por isso, maiores que João, o Grande Precursor!
Amém.
D. Henrique Soares da Costa