Não existe uma pessoa que não ame. Muda o objeto que é
amado, mas faz parte da natureza humana voltar-se, no amor, para o que é
desejado e buscado. Pode parecer muito simples, mas a capacidade de amar também
pode ser educada num processo de formação que envolve a vida inteira. Mal
formada, a inata capacidade para amar pode chegar inclusive à destruição da
realidade que é amada. Trata-se de uma força imensa, plantada por Deus nos
corações humanos. Ela vem do Céu, para se implantar e multiplicar-se no bem que
pode ser feito na Terra e se perpetuará na eternidade.
O amor é um sentimento? Envolve, sim, os sentidos, mas na
compreensão cristã, que perpassa a Sagrada Escritura e a experiência secular da
Igreja, é muito mais do que um sentimento. Antes, é um ato de inteligência e de
vontade. Basta recordar a realidade do martírio, presente em toda a história da
Igreja, na qual alguém se dispõe a superar o instinto primordial de defesa da
própria vida, para entregá-la pelo bem dos outros, como resultado de sua escolha
de vida no seguimento do Evangelho. Existem também situações de pessoas que,
mesmo sem conhecimento do Evangelho, chegam a entregar-se pelo bem dos outros,
pela causa da vida e da dignidade humana. Tais gestos fazem compreender a
possibilidade de uma escolha radical, que orienta todas as energias humanas
para o que não se vê nem se pode comprovar, senão pelo testemunho!
“Ouve, Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás
o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as
tuas forças. E trarás gravadas no teu coração todas estas palavras que hoje te
ordeno. Tu as repetirás com insistência a teus filhos e delas falarás quando
estiveres sentado em casa ou andando a caminho, quando te deitares ou te
levantares” (Dt 6,4).
A primeira e decisiva opção na vida há de ser esta, como uma
veste interior, que envolve e orienta todas as outras decisões: escolher Deus
como tudo da própria existência.
O resumo da lei de Deus, expressa o Decálogo, se encontra na
lapidar afirmação: “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si
mesmo”. Mas foram necessários muitos séculos e, mais do que tudo, a revelação
que vem do Alto, para que tal mandamento viesse a ser compreendido. Aliás, foi
preciso que o Pai do Céu enviasse Seu Filho, como vítima de reparação por
nossos pecados, para a humanidade entender o amor (cf. I Jo 4,7-10) e sua
medida, que é justamente amar sem medida.
O amor ao próximo suscitou muitas perguntas. Afinal, o
próximo é quem está perto de mim? Para povos que vagavam por desertos ou se
sentiam ameaçados pelos potenciais inimigos, o estrangeiro é também próximo?
Como tratar quem é diferente e incomoda? Jesus Cristo, amor do Pai que se faz
carne no meio da humanidade, aproxima o amor do próximo ao amor de Deus,
dizendo que o segundo é semelhante ao primeiro mandamento! Próximo é, para o
Senhor, aquele de quem nos aproximamos e não apenas quem vem pedir qualquer
ajuda: “Na tua opinião – perguntou Jesus –, qual dos três foi o próximo do
homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” Ele respondeu: “Aquele que usou de
misericórdia para com ele”. Então Jesus lhe disse: “Vai e faze tu a mesma
coisa” (Lc 10, 36-37).
Conhecemos o verdadeiro Bom Samaritano, o próprio Jesus, que
veio percorrer as estradas do mundo, tomando a iniciativa de vir em socorro da
humanidade.
Mas Jesus guarda a pérola de Seu amor a ser revelada no
ambiente especial da Última Ceia: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos
outros, assim como eu vos amei. Ninguém tem amor maior do que aquele que dá a
vida por seus amigos” (Jo 15, 12-13). Aqui está um ponto de chegada, nascido do
Alto e que antecipa a realidade do Céu aqui na Terra! Somos feitos para esta
qualidade de amor!
Ainda que devamos amar a todos, sem distinção, cada cristão
é chamado a ter um espaço de convivência, no qual possa declarar, com gestos e
palavras, sua disposição para dar a vida e receber a vida doada. Nisso todos
conhecerão que somos discípulos de Cristo (cf. Jo 13,35). Pode ser a família, e
quem dera que nossas famílias chegassem a esse ponto! Pode ser a experiência de
uma comunidade cristã viva, e para lá havemos de caminhar. Uma amizade sincera
e pura proporciona esta declaração de amor. É uma potência indescritível de
transformação da vida das pessoas. É necessário olhar ao nosso redor, pois
existem, sim, pessoas, comunidades e grupos que oferecem esse testemunho!
Nos mistérios da Páscoa, celebrados pela Igreja, Deus nos dá
de presente esta capacidade de amar. De nossa parte, resta corresponder aos
dons de Deus (Cf. Oração do dia do VI Domingo da Páscoa).
Cada resposta e cada ato de amor a Deus e ao próximo contribuirão
para que o mundo, sem deixar de ser mundo, seja mais parecido com o Céu!
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém - PA