"Bem-aventurados os que choram!" A bem-aventurança
dos aflitos
Começamos com esta meditação um ciclo de reflexão sobre as
bem-aventuranças que, se Deus quiser, prosseguiremos na próxima Quaresma. As bem-aventuranças
têm conhecido, dentro do próprio Novo Testamento, um desenvolvimento e
aplicações diferentes, segundo a teologia de cada evangelista ou as
necessidades novas das comunidades. A elas se aplica o que São Gregório Magno
diz de toda a Escritura, que ela «cum legentibus crescit» , cresce com
aqueles que a lêem, revela sempre novas implicações e conteúdos mais ricos, de
acordo com as instâncias e os questionamentos novos com os que se lê.
Manter a fé neste princípio significa que também hoje nós
devemos ler as bem-aventuranças à luz das situações novas nas que nos
encontramos vivendo, com a diferença, entende-se, de que as interpretações dos
evangelistas estão inspiradas, e por isso normativas para todos e para sempre,
enquanto que as de hoje não compartilham tal prerrogativa.
1. Uma nova relação entre prazer e dor
Omitindo a bem-aventurança dos pobres que meditamos no
Advento precedente, concentremo-nos na segunda bem-aventurança:
«Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados» (Mt 5, 4). No evangelho
de Lucas, onde as bem-aventuranças, que são quatro, estão em forma de discurso
direto e reforçadas por uma advertência, a mesma bem-aventurança soa assim:
«Bem-aventurados vós, que agora chorais, porque haveis de rir». «Ai de vós, que
agora rides, porque conhecereis o luto e as lágrimas!» (Lc 6, 21.25).
A mensagem mais formidável está contida precisamente na
estrutura desta bem-aventurança. Esta se permite recolher a revolução que o
evangelho imprimiu a respeito do problema do prazer e da dor. O ponto de
partida --comum tanto ao pensamento religioso como profano-- é a constatação de
que nesta vida prazer e dor são inseparáveis; se sucedem um ao outro com a
mesma regularidade com a que à elevação de uma onda no mar, sucede um
afundamento e um vazio que puxa o náufrago mar adentro.
O homem busca desesperadamente separar estes dois irmãos
siameses, ilhar o prazer da dor. Mas é inútil. É o mesmo prazer desordenado o
que se volta contra ele e se transforma em sofrimento, ou de improviso e
tragicamente, ou um pouco por vez, enquanto é por sua natureza transitório e
gera cansaço e náusea. É uma lição que nos chega da crônica diária e que o
homem tem expressado de mil maneiras em sua arte e sua literatura. «Um não sei
quê de amargo --escreve o poeta Lucrécio-- brota do íntimo de cada prazer e nos
angustia já em meio de nossas delícias».
A Bíblia tem uma resposta a dar a isto, que é o verdadeiro
drama da existência humana. Houve desde o início uma eleição do homem, feita
possível desde sua liberdade, que o levou a orientar exclusivamente para as
coisas visíveis a capacidade de gozo da que estava dotado para que aspirasse a
gozar o Bem infinito que é Deus.
Ao prazer, eleito contra a lei de Deus e simbolizado por
Adão e Eva, que saboreiam o fruto proibido, Deus permitiu que seguisse a dor e
a morte, mais como remédio que como castigo. A fim de que não ocorresse que,
seguindo apenas seu egoísmo e seu instinto, o homem se destruísse completamente
e destruísse cada um de seus próximos. Assim, ao prazer vemos como se adere a
ele, como sua sombra, o sofrimento.
Cristo rompeu por fim esta corrente. Ele, «em vez da alegria
que lhe foi proposta, suportou a cruz» (Hb 12, 2). Fez, em resumo, o contrário
do que fez Adão e do que faz cada homem. «A morte do Senhor --escreveu São
Máximo Confessor--, diferentemente da dos demais homens, não era uma dívida
paga pelo prazer, mas algo que era lançado contra o próprio prazer. E assim,
através desta morte, transformou o destino merecido pelo homem» .
Ressuscitando da morte, Ele inaugurou um novo gênero de prazer: o que não precede
à dor, como sua causa, mas que lhe segue, com seu fruto.
Tudo isto é maravilhosamente proclamado por nossa
bem-aventurança, que à seqüência riso-pranto lhe opõe a seqüência pranto-riso.
Não se trata de uma simples inversão dos tempos. A diferença, infinita, está no
fato de que na ordem proposta por Jesus é o prazer, não o sofrimento, o que tem
a última palavra e, o que importa mais, uma última palavra que dura
eternamente.
2. «Onde está teu Deus?»
Procuremos agora entender quem são exatamente os aflitos e
os que choram, proclamados bem-aventurados por Cristo. Os exegetas excluem
hoje, quase unanimemente, que se tratem os aflitos somente em sentido objetivo
e sociológico, gente à qual Jesus proclamaria bem-aventurada apenas pelo fato
de sofrer e de chorar. O elemento subjetivo, isto é, o motivo do pranto, é
determinante.
E qual é este motivo? A via mais segura para descobrir que
pranto e que aflição são proclamados bem-aventurados por Cristo é ver por que
se chora na Bíblia e por que chorou Jesus. Descobrimos assim que existe um
pranto de arrependimento, como o de Pedro após a traição, um «chorar com os que
choram» (Rm 12, 15), de compaixão pela dor alheia, como chorou Jesus com a
viúva de Naim e com as irmãs de Lázaro; o choro de exilados que deixam a
pátria, como o dos judeus nos rios da Babilônia… E muitos outros.
Gostaria de sacar à luz dois motivos pelos que se chora na
Bíblia e pelos que Jesus chorou que me parecem merecer particular meditação no
momento histórico que estamos vivendo.
No Salmo 41 lemos:
«As lágrimas são meu pão noite e dia,
e todo dia me perguntam:
“Onde está o teu Deus?” (…)
Esmigalhando-me os ossos
meus opressores me insultam,
repetindo todo o dia:
“Onde está o teu Deus?”».
Nunca esta tristeza do fiel pelo rechaço presunçoso de Deus
a seu redor teve tanta razão como hoje. Depois do período de relativo silêncio
posterior ao ateísmo marxista, estamos assistindo a um ressurgimento de um
ateísmo militante e agressivo, com marca de origem científica ou cientista. Os
títulos de alguns livros recentes são eloqüentes: «Tratado de ateologia», «A
ilusão de Deus», «O fim da fé», «Criação sem Deus», «Uma ética sem Deus» … .
Em um destes tratados, lê-se a seguinte declaração: «As sociedades
humanas elaboraram vários meios ordinários de conhecimento, geralmente
compartilhados, através dos quais se pode comprovar algo. Quem afirma a
existência de um ser não cognoscível com esses instrumentos deve assumir a
carga da prova. Por isso, me parece legítimo que, enquanto não se prove o
contrário, Deus não existe» .
Com os mesmos argumentos se poderia demonstrar que tampouco
existe o amor, dado que não é comprovável com os instrumentos da ciência. O
fato é que a prova da existência de Deus não se encontra nos livros nem em
laboratórios de biologia, mas na vida. Na vida de Cristo antes de tudo, na dos
santos e na dos inumeráveis testemunhos da fé. Encontra-se também na tão
desvalorizada prova dos sinais e milagres que Jesus mesmo dava como prova de
sua verdade e que Deus segue dando, mas que os ateus rechaçam a priori, sem
tomar sequer o incômodo de examinar.
Motivo de tristeza do fiel, como para o salmista, é a
impotência que experimenta frente ao desafio: «Onde está o teu Deus?». Com seu
misterioso silêncio, Deus chama o fiel a compartilhar sua debilidade e derrota,
prometendo apenas nestas condições a vitória: «o que é fraqueza de Deus é mais
forte que os homens» (1 Cor 1, 25).
3. «Levaram o meu Senhor!»
Não menos doloroso é hoje, para o fiel cristão, o rechaço
sistemático de Cristo em nome de uma investigação histórica objetiva que, em
certas formas, reduz-se a algo mais subjetivo que se pode imaginar:
«fotografias dos autores e de seus ideais», como aponta o Santo Padre nas
páginas introdutórias de seu próximo livro sobre Jesus. Assistimos a uma
corrida para ver quem consegue apresentar um Cristo mais à medida do homem de
hoje, despojando-o de toda prerrogativa transcendente. À pergunta dos anjos:
«Mulher, por que choras?», Maria Madalena, na manhã de Páscoa, respondeu:
«Levaram o meu Senhor e não sei onde o colocaram» (Jo 20, 13). Um motivo de
pranto que poderíamos fazer nosso.
Sempre existiu a tendência a revestir Cristo das roupagens
da própria época ou da própria ideologia. No passado, por outro lado, se bem
que discutíveis, se tratava de causas sérias e de grande impacto: o Cristo
idealista, romântico, liberal, socialista, revolucionário… Nossa época,
obcecada pelo sexo, não consegue pensar nele mais que com problemas sentimentais:
«Uma vez mais Jesus foi modernizado, ou melhor dito, pós-modernizado» .
É bom saber de onde vem esta corrente recente que faz de
Jesus de Nazaré o campo de provas dos ideais pós-modernos de relativismo ético
e individualismo absoluto (o chamado desconstrucionismo) e que, direta ou
indiretamente, está inspirando romances, filmes e espetáculos e influi também
nas pesquisas históricas sobre Ele. Trata-se de um movimento nascido nos
Estados Unidos nas últimas décadas do século passado, que tem em “The Jesus
Seminar” seu ponto de agregação mais ativo.
Foi definido com «neoliberalismo», por seu retorno ao Jesus
da teologia liberal do século XIX, sem vínculos nem com o judaísmo, por um
lado, nem com o cristianismo e a Igreja, por outro; um Jesus propagador de
idéias morais, mas já não de grande alcance, como no liberalismo clássico
(paternidade de Deus, valor infinito da alma humana), mas de sabedoria simples,
de alcance sociológico mais que teológico. O objetivo destes estudiosos já não
é simplesmente corrigir, mas destruir, como dizem eles, «esse erro chamado
cristianismo».
É muito significativo o discurso programático realizado pelo
fundador do movimento em 1985: «Estamos a ponto de embarcar em uma empresa de
grande alcance. Queremos simples e vigorosamente nos colocarmos em busca da voz
de Jesus, do que Ele disse verdadeiramente. Neste processo, lançaremos
questionamentos no limite do sagrado e até da blasfêmia para os ouvidos de
muitos de nossa sociedade. Como conseqüência, o caminho que seguiremos poderia
revelar-se arriscado. Poderia nascer hostilidade, mas avençaremos a despeito
dos perigos porque o problema de Jesus é o que nos desafia, como o Everest
desafia os alpinistas».
Jesus é liberado já não só dos dogmas da Igreja, mas também
das Escrituras e dos Evangelhos. Que fontes permanecem, neste ponto, para falar
dele, que não seja a simples e pura fantasia? Naturalmente, os apócrifos, e em
primeiro lugar o Evangelho de Tomé, fechado inclusive, segundo eles, nos anos
30-60 depois de Cristo, antes que os Evangelhos canônicos e que o próprio
Paulo; depois, a análise sociológica das condições de vida na Galiléia nos
tempos de Cristo.
Que imagem de Jesus se tira daí? Cito algumas das definições
que se deram, não todas, naturalmente, compartilhadas por todos: «um excêntrico
galileu», «o famoso festeiro», «um sábio vagabundo ou subversivo», o «mestre de
uma sabedoria aforística», «um camponês judeu empapado de filosofia cínica» .
Fica por explicar o mistério de como é que um ser tão inócuo
tenha acabado na cruz e tenha podido converter-se no «homem que mudou o mundo».
O que é verdadeiramente para chorar não é que se escrevam estas coisas (também
há que inventar algo novo se se quer seguir escrevendo livros); mas que, uma
vez publicados, estes livros vendam centenas de milhares, até milhões, de
cópias.
A incapacidade da investigação histórico-filológica de
empalmar o Jesus da realidade com o Jesus das fontes evangélicas e da Igreja
depende, ao meu ver, do fato de que aquela ignora e não se dispõe a estudar a
dinâmica dos fenômenos espirituais e sobrenaturais. Seria como querer ouvir um
som com os olhos ou ver uma cor com os ouvidos.
O estudo e a experiência dos fenômenos místicos (também
estes são uma realidade!) mostram como todo um desenvolvimento posterior, na
vida da própria pessoa ou do movimento nascido dela, pode estar contido num
evento, às vezes em um instante (quando se trata de um encontro com o divino),
do qual somente depois, pelos frutos, revelam-se as potencialidades escondidas.
Os sociólogos se aproximam desta verdade com o conceito de statu nascenti .
A criança e o homem adulto se vêem de uma maneira distinta
do embrião do começo; no entanto, neste tudo estava contido. De igual maneira,
o reino é a princípio «a menor das sementes», mas está destinado a crescer e a
converter-se em uma grande árvore (Mt 13, 32).
O nascimento do movimento franciscano se presta a uma
comparação, naturalmente em um plano qualitativamente diferente. As fontes
franciscanas apresentam divergências e contradições quase sobre cada ponto de
vista do Pobrezinho: sobre a visão e a palavra do crucificado de São Damião,
sobre o episódio dos estigmas… De nenhuma palavra do santo, exceto dos poucos
escritos de seu punho, têm-se a segurança de que tenha saído de sua boca. As
Florezinhas parecem toda uma idealização da história.
No entanto, tudo o que floresceu em torno e depois de
Francisco – o movimento franciscano com seus reflexos na espiritualidade, na
arte, na literatura – depende dele; não é senão uma manifestação – e inclusive
empobrecida – das energias espirituais postas em movimento por sua pessoa e por
sua vida; melhor, pelo que Deus havia feito em sua vida.
Muitos, até entre os estudiosos fiéis, dão por certo que o
Jesus real foi, e pretendeu ser, muito menos do que está escrito dele nos
evangelhos, que não se atribuiu tal ou qual título. A verdade é que Ele é
imensamente mais, não menos, que o que está escrito dele! Quem é o Filho,
somente o sabe o Pai, e o sabem, em pequena medida, também aqueles a quem o Pai
quer revelar, em geral não os doutos e os acadêmicos, ao menos que eles se
façam pequenos…
Paulo dizia que experimentava no coração «tristeza imensa e
uma profunda e contínua dor» pelo rechaço de Cristo por parte de seus
compatriotas (Rm 9, 1s.); como não experimentar a mesma dor pelo rechaço dele
por parte de muitos contemporâneos nossos, nos países de antiga fé cristã? Por
um motivo similar, por não haver reconhecido nele o próprio amigo e salvador,
Jesus chorou em Jerusalém…
Felizmente parece precisamente que está encerrando já um
ciclo e se está virando página nas investigações sobre Jesus. Em uma obra de
três volumes – de mil páginas cada uma – intitulada «Christianity in the
Making», destinada a criar época como outros estudos seus precedentes, um dos
máximos estudiosos vivos do Novo Testamento, James Dunn, após uma meticulosa
análise dos resultados dos últimos três séculos de investigações, chegou à
conclusão de que não houve nenhuma interrupção entre o Jesus que prega e o
Jesus pregado, e portanto, entre o Jesus da história e o Jesus da fé. Esta não
nasceu depois da Páscoa, mas com os primeiros encontros dos discípulos, que se
fizeram discípulos justamente porque acreditaram nele, se bem que ao início com
uma fé frágil e ainda ignorante de suas implicações.
O contraste entre o Cristo da fé e o Jesus da história é o
resultado de uma «fuga da história», antes que de uma «fuga da fé», devidas,
uma e outra, ao fato de haver projetado sobre Jesus interesses e ideais do
momento. Libertava-se, sim, Jesus das roupagens da dogmática eclesiástica, mas
para colocar-lhe vestidos de moda que mudavam a cada estação. Mas o imenso
esforço de investigação em torno à pessoa de Cristo não foi em vão, porque é
precisamente graças a ele que agora, exploradas todas as soluções alternativas,
estamos em grau de chegar criticamente a esta conclusão.
4. «Chorem os sacerdotes, ministros do Senhor»
Existe também um segundo pranto na Bíblia sobre o qual
devemos refletir. Falam dele os profetas. Ezequiel refere a visão que teve um
dia. A voz poderosa de Deus grita a um misterioso personagem «vestido de linho,
que trazia na cintura o estojo de escriba»: «Percorre a cidade, a saber,
Jerusalém, e assinala com uma cruz [tav] a testa dos homens que estão gemendo e
chorando por causa de todas as abominações que se fazem no meio dela» (Ez 9,
4).
Esta visão teve ressonâncias profundas na continuação da
revelação e da Igreja. Aquele sinal, tav, última letra do alfabeto hebreu, por
sua forma de cruz se converte no Apocalipse no «selo do Deus vivo» impresso na
frente dos salvos (Ap 7, 2s.).
A Igreja tem «chorado e suspirado» em tempos recentes pelas
abominações cometidas em seu seio por alguns de seus próprios ministros e
pastores. Tem pago um preço elevadíssimo por isso. Tem se esforçado a remediar,
regras firmes foram estabelecidas para impedir que os abusos se repitam. Chegou
a hora, após a emergência, de fazer o mais importante de tudo: chorar ante
Deus, afligir-se como se aflige Deus; pela ofensa ao corpo de Cristo e o
escândalo «aos mais pequenos de seus irmãos», mais que pelo dano e desonra
ocasionados a nós.
É a condição para que de todo este mal possa verdadeiramente
chegar o bem e se estabeleça uma reconciliação do povo com Deus e com os
próprios sacerdotes.
«Tocai a trombeta em Sião!
ordenai um jejum,
proclamai uma reunião sagrada! (…)
Entre o pórtico e o altar chorem
os sacerdotes, ministros de Iahweh
e digam:
“Iahweh, tem piedade do teu povo!
Não entregues ao opróbrio a tua herança,
Para que as nações zombem deles!”» (Jl 2, 15-17).
Estas palavras do profeta Joel contêm um chamado para nós.
Não se poderia fazer o mesmo também hoje: convocar um dia de jejum e de
penitência, ao menos no âmbito local e nacional, onde o problema tenha sido
mais forte, para expressar publicamente arrependimento ante Deus e
solidariedade com as vítimas, estabelecer, em resumo, uma reconciliação dos
ânimos e retomar um caminho de Igreja, renovados no coração e na memória?
Dão-me o valor de dizer isso as palavras pronunciadas pelo
Santo Padre ao episcopado de uma nação católica em uma recente visita ad
limina: «As feridas causadas por estes atos são profundas, e é urgente a tarefa
de restabelecer a esperança e a confiança quando estas ficaram danificadas…
Deste modo a Igreja se reforçará e será cada vez mais capaz de dar testemunho
da força redentora da Cruz de Cristo» .
Mas não devemos deixar sem uma palavra de esperança também
os desventurados irmãos que foram a causa do mal. Sobre o caso de incesto
ocorrido na comunidade de Corinto, o Apóstolo sentenciou: «Entreguemos tal
homem a Satanás para a perda da sua carne, a fim de que o espírito seja salvo
no dia do Senhor» (1 Cor 5, 5). (Hoje diríamos: que seja entregue à justiça
humana, para que sua alma obtenha a salvação). A salvação do pecador, não seu
castigo, é o que importava ao Apóstolo.
Um dia que pregava ao clero de uma diocese que havia sofrido
muito por esta razão, impactou-me um pensamento. Estes irmãos nossos foram
despojados de tudo, ministério, honra, liberdade, e só Deus sabe com quanta
responsabilidade moral efetiva, em cada caso; passaram a ser os últimos, os
rechaçados… Se nesta situação, tocados pela graça, afligem-se pelo mal causado,
unem seu pranto ao da Igreja, a bem-aventurança dos aflitos e dos que choram
passa a ser subitamente sua bem-aventurança. Poderiam estar próximos de Cristo,
que é o amigo dos últimos, mais que muitos outros – inclusive eu –, ricos da
própria respeitabilidade e talvez levados, como os fariseus, a julgar a quem
erra.
Mas há uma coisa que estes irmãos deveriam absolutamente
evitar fazer e que alguns, lamentavelmente, estão tentando no entanto realizar:
aproveitar o clamor para tirar benefícios até da própria culpa, concedendo
entrevistas, escrevendo memórias, na tentativa de fazer recair a culpa sobre os
superiores e sobre a comunidade eclesial. Isso revelaria uma dureza de coração
verdadeiramente perigosa.
5. As lágrimas mais belas
Concluo aludindo a um tipo de lágrima diferente. Pode chorar
de dor, mas também de comoção e de alegria. As lágrimas mais belas são as que
nos chegam aos olhos quando, iluminados pelo Espírito Santo, «provamos e vemos
como o Senhor é bom» (Sal 34, 9).
Quando se está neste estado de graça, surpreende que o mundo
e nós mesmos não caiamos de joelhos e não choremos todo o tempo de estupor e de
comoção. Lágrimas deste tipo deviam correr pelo rosto de Agostinho quando
escrevia as Confissões: «Quanto nos amaste, oh bom Pai, que não te reservaste
teu único Filho, mas que nos deste por todos nós. Quanto nos amaste!» .
Lágrimas como estas verteu Pascal na noite em que teve a
revelação do Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, que se revela pelas vias do
evangelho, e em uma folhinha de papel (encontrada tecida no interior de sua
jaqueta após a sua morte) escreveu: «Alegria, alegria, lágrimas de alegria!».
Penso que também as lágrimas com as que a pecadora empapou os pés de Jesus não
eram lágrimas somente de arrependimento, mas também de gratidão e de alegria.
Se no céu se pode chorar, é deste pranto que está cheio o
Paraíso. Em Istambul, a antiga Constantinopla, onde o Santo Padre viajou dias
atrás, viveu em torno ao ano 1.000 São Simeão o Novo Teólogo, o santo das
lágrimas. É o exemplo mais brilhante na história da espiritualidade cristã das
lágrimas de arrependimento que se transformam em lágrimas de estupor e de
silêncio. «Chorava – conta em uma obra sua – e estava em uma alegria
inexpressível» . Parafraseando a bem-aventurança dos aflitos, diz:
«Bem-aventurados os que sempre choram amargamente seus pecados, porque brilhará
a luz e transformará as lágrimas amargas em doces».
Que Deus nos conceda desfrutar, ao menos uma vez na vida,
destas lágrimas de comoção e de alegria.
Pe. Raniero Cantalamessa