"Senhor, se levardes em conta
as nossas faltas, quem poderá subsistir? Mas em vós encontrar-se o perdão, Deus
de Israel". (cf. Sl 129, 3-4).
Meus queridos irmãos e irmãs,
No Judaísmo, existe toda uma tradição
que considera a sabedoria como o maior bem que se possa alcançar na terra.
Assim nos ensina a Primeira Leitura(Sb 7,7-11): “Preferi a sabedoria aos
cetros e tronos e, em comparação com ela, julguei sem valor a riqueza;...”(cf.
Sb 7,8). A Sabedoria supera tantas outras coisas consideradas valiosas:
pedras preciosas, ouro, dinheiro, poder, vaidades, etc. Mesmo a saúde não vale
tanto quanto a sabedoria. Ora, se uma coisa vale mais do que outra, e se
impuser uma opção entre as duas, a gente tem que abandonar a que menos vale. É
o que acontece com o Reino de Deus. Encontramos no Evangelho de hoje(Mc 10,
17-30) um homem que combinava a riqueza e vida decente. Tubo bem, sem
problemas. Está à procura da “vida eterna”, a vida do “século
dos séculos”, ou seja, do tempo de Deus, que ninguém mais poderá tirar.
Poderíamos dizer: procura a verdadeira sabedoria, o rumo ideal de viver.
Pedagogicamente, Jesus lhe lembra primeiro o caminho comum: observar os
mandamentos. O homem responde que já está fazendo isso aí. Então, Jesus o
conscientiza de que isso não é o suficiente. Coloco-o à prova. Se realmente
quer o que está procurando, terá de sacrificar até sua riqueza – não vale a
sabedoria do Antigo Testamento mais do que o ouro? O homem desiste, e vai
embora. E Jesus fica triste, pois simpatizou com ele.
Jesus, ao longo da estrada para
Jerusalém foi transmitindo para os seus discípulos as condições para o seu
seguimento. Para os judeus possuir muitos bens significava que ele se sentia
muito abençoado por Deus, digno de sua amizade e merecedor do céu. Se já tinha
tudo, por que procurar outras coisas ensinadas pelo Nazareno? Jesus inverte o
quadro. É o pobre que tem a bênção divina. Não o pobre de bens
materiais. Porque diante de Deus pobre e rico têm o mesmo valor e dignidade.
Mas o pobre de coração, isto é, o desapegado de bens e de si mesmo. O desapego
é um tema inevitável para quem quer compreender a pessoa de Jesus, seu modo de
viver e a sua doutrina. Por conseguinte, a gratuidade do serviço que Jesus nos
convoca, o desapego é um dos temas mais difíceis do Novo Testamento. O cristão
não considera má as riquezas. Mas deve viver desprendido delas. Não é a
conquista dos bens – nem materiais nem espirituais – a sua meta. Mas a
aproximação sempre maior de Deus até a comunhão total com ele. Os bens são
amarras que impedem o voo, são jaulas, ainda que às vezes de ouro, que
estreitam e encurtam os horizontes do destino humano.
A pergunta que é feita para Jesus,
deve ser feita a cada um de nós hoje: “Bom mestre, que devo fazer para
ganhar a vida eterna?”(cf. Mc 10, 17) A vida eterna
não se compra com obras. Nenhuma obra
humana é suficientemente para se entrar na vida eterna, que é graça de Deus.
Apenas Jesus, por ser Filho de Deus, foi capaz de merecer a vida eterna. É um
dom Dele para nós, pago com seu Sangue. Por isso São Paulo chama o Cristo de “nossa
justificação”(cf. Rm 10,4), isto é, nossa santificação.
Mas devemos lembrar que as obras
crescem a nossa fé. Somos chamados a fazer o bem a todos, indistintamente,
porque Deus é bom. Fazemos o bem, porque Cristo o fez. Mas não somos nós que
julgamos o bem que fazemos. Deus dará a recompensa como ele quiser e na medida
em ele quiser. Não fazemos boas obras para, em troca, ganhar o céu. Mas fazemos
boas obras para, com elas, glorificar a Deus. Por isso em tudo Deus seja
louvado! Cuidado, para que em nada seja feito comércio com Deus, porque tudo é
graça do Senhor.
Não queremos ganhar a vida eterna
como “barganha” ou uma “negociata”. Precisamos
aprender como entrar no Reino de Deus. O Reino de Deus é a pessoa de Jesus
presente entre nós, é o modo de vivermos a presença de Deus. Para Jesus,
o Reino de Deus tem duas fases: uma atual, neste mundo; outra futura, que é a
glória eterna. A segunda depende da primeira. A vida do ser humano
sobre a terra foi muito valorizada por Jesus. Esta vida já é parte da
eternidade. Já nesta vida vivemos a vida eterna. Esse Reino, que deve ser a
primeira preocupação nossa(cf. Mt 6,25-34) e pelo qual devemos sacrificar tudo
(cf. Mt 13,44s) só é compreendido pelos que têm espírito de pobre (cf. Lc 6,20)
e desenvolve-se lentamente na vida presente, alcançando a sua plenitude na
ressurreição, quando os corpos são transformados. Se para entrar no Reino é
preciso espírito de pobre, a exigência de Jesus ao homem rico torna-se clara
como a luz do dia. Poder-se-ia pensar que essa pobreza fosse indicada somente
para os que fazem votos religiosos. Para eles claramente. Mas a exigência da
pobreza é para todos os batizados.
Observar a lei da pobreza é preceito
evangélico amplo e pacífico. Mesmo sabendo que era difícil entrar a lição da
pobreza na cabeça de seus discípulos Jesus os chama de meus filhos e
garante-lhes o poder salvífico e Deus, em quem podem confiar, quando as coisas
e os fatos parecem ou são impossíveis de acontecer. Observemos a diferença: o
homem rico foi embora abatido(cf. Mc 10,22); os discípulos, que pensavam como o
homem rico, ainda que não compreendessem por inteiro a lição de Jesus,
permaneceram junto dele. E isso não porque fossem melhores e mais bravos que o
homem rico, mas porque confiavam em Jesus. Como “a Deus tudo é
possível(cf. Mc 10,27)”, possível foi transformar os discípulos em
Pentecostes e fazer deles verdadeiros discípulos de Jesus, que souberam
desprender-se de tudo, inclusive de sua própria vida.
A lição de Jesus, narrada no
Evangelho de hoje(cf. Mc 10,17-30 ou 17-27) era de que não se vai à Cruz e à
Páscoa abraçando às riquezas. O Cristo despedido na Cruz é símbolo do total
desapego, posto por Jesus como condição de vida eterna.
A segunda Leitura(cf. Hb 4,12-13)
acentua a mensagem do Evangelho. Continua a Carta aos Hebreus. Jesus encarna a
Palavra de Deus, ativa na história, decisiva como uma espada de dois gumes:
diante dela, devemos optar: neutralidade não existe.
Por isso a liturgia hodierna conclama
a uma autentica libertação do egoísmo, dominando nossa ânsia de acumular o
transitório, o terreno, o efêmero. Agindo assim devermos nos colocar a serviço
dos irmãos e irmãs necessitados, lembrando que nesse mês missionário, a Igreja
nos convida a levar a Boa Nova formando discípulos-missionários de Jesus
Cristo, na sabedoria e no discernimento da busca dos valores eternos, vivendo
os mandamentos, partilhando os bens para assim bem seguir Jesus caminho,
verdade e vida.
Dom José Edson - Bispo Diocesano de Eunápolis/BA