quarta-feira, 21 de março de 2012

Purificação


Da Igreja se diz que sempre pode ser reformada e renovada. Verdadeiras transformações são realizadas em seu seio, muito mais pela santidade de seus filhos do que por eventuais projetos de transformação, ainda que estes sejam necessários, na justa medida e no realismo de seus encaminhamentos. A santidade presente na Igreja é prova de que nela habita seu esposo, que a amou e se entregou por ela, para torná-la santa e perfeita. À santidade que é dom descido do Céu, pela ação do Espírito Santificador, derramado abundantemente em todas as épocas da história, deve corresponder o esforço humano, que se expressa na prática da virtude em todos os seus membros.

O povo de Deus recebeu, através de Moisés, a perfeição da lei (Ex 20, 1-17). Um santo orgulho era cultivado por todos, por saberem ter, no decálogo, o que existe de melhor para toda a humanidade. No entanto, muitas vezes aqueles que tinham sido escolhidos com tamanha gratuidade e generosidade se tornaram um povo de cabeça dura, infiéis aos preceitos do Senhor, profanando a santidade com a qual tinham sido escolhidos. A este povo foram enviados continuamente os profetas, que anunciavam a misericórdia e o perdão e, ao mesmo tempo, denunciavam as falhas das sucessivas gerações. Nem sempre foram bem acolhidos, alguns morreram testemunhas da verdade, mas todos eles, quando verdadeiros profetas, iluminaram com sabedoria a prática religiosa.

Profeta é aquele que fala diante dos outros com clareza, ou aquele que põe à disposição de Deus a sua fala, para que Deus se dirija ao povo. Jesus, que é profeta e mais do que profeta, encontra pecadores e os perdoa, acolhe publicanos e prostitutas, cura as doenças do corpo e da alma. Seus gestos proféticos, como a purificação do templo (Jo 2, 13-15), expressam o zelo amoroso e forte de Deus que o devora por dentro. O verdadeiro templo, edificado por Deus e reedificado após a morte redentora em três dias, na ressurreição, é o próprio Cristo. Está agora presente em toda parte. Seu amor salvador é destinado a todos os homens e mulheres de todos os tempos. Dali para frente, Jesus atrai todas as gerações. O ponto de chegada, Nova Jerusalém, abre-se como espaço acolhedor, casa de oração para todos os povos, abraço amigo em que, começando dos mais distantes, todos podem ser recebidos.

Templo a ser purificado são também os corações e os corpos de todos os homens e mulheres que professam a fé. Deixando o Senhor entrar em suas casas e em suas almas, proclamem um tempo de conversão, deixem-se tocar pela palavra da penitência e se voltem de novo para Deus. Ressoe o pregão quaresmal incansavelmente em nossas ruas e casas!

Nossa geração precisa também ser purificada e acolher o convite a uma renovação de vida. O "chicote" da verdade, que fere e cura a ferida, é-nos de novo oferecido como dom. Quem se submete à Palavra de Deus entenderá a dureza da palavra da verdade, que ao mesmo tempo cauteriza todos os machucados. Caia o orgulho de Babel, terra da confusão, desmorone-se a grande Babilônia, cidade que quer se edificar sem Deus! Caiam e renasçam renovadas e purificadas as estruturas humanas construídas sobre os fundamentos do egoísmo. Sejam expulsos dos pátios dos templos e dos espaços abertos nos corações os negócios ilícitos. Seja extirpada a mentira do coração e da fala! A profanação do sagrado seja superada e a vida dos cristãos seja o desagravo por todo o desrespeito reinante. O descaso pela vida seja curado, a saúde se difunda sobre a terra!

Para chegar lá, a purificação dos templos e dos corações ilumine os passos de todos os cristãos, para que eles sejam fermento de novos valores nas estruturas do mundo. Superando o denuncismo fácil, sejam construtores e companheiros de tantas pessoas de boa vontade, para edificar juntos as desejadas estruturas diferentes na sociedade. Sejam eles próprios homens e mulheres de tamanha capacidade de relacionamento, que arrebanhem, mesmo no silêncio, multidões de pessoas.

O que não pode faltar, neste tempo da Quaresma, é o engajamento de todos no projeto de um mundo diferente. Seu início ocorre nos corações, pelo que havemos de pedir confiantes: "Ó Deus, fonte de toda misericórdia e de toda bondade, vós nos indicastes o jejum, a esmola e a oração como remédio contra o pecado. Acolhei esta confissão da nossa fraqueza para que, humilhados pela consciência de nossas faltas, sejamos confortados pela vossa misericórdia" (Oração do dia no III Domingo da Quaresma).

Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará (PA)