domingo, 22 de abril de 2012

Movimentos eclesiais e Novas Comunidades: resposta providencial do Espírito para a Igreja hoje



Vivemos as dores de parto de uma nova época (Docum. de participação, 94 ). No século XX vimos o ruir das ideologias que tanto impacto e atração exerceram e, de outras formas, ainda exercem na América Latina. No início deste novo milênio enfrentamos o pensamento relativista que quer se impor como único. Estas propostas não são capazes de responder à necessidade de plenitude da pessoa, como também são incapazes de solucionar os graves e crescentes problemas do nosso continente e do mundo.

Foi neste quadro histórico que surgiram os Movimentos Eclesiais e as Novas Comunidades “como resposta providencial do Espírito” (João Paulo II).

Somos novos carismas para novos tempos. Penso que não nos cabe fixarmo-nos nas dificuldades do passado; isto não seria suficiente. Os movimentos e as novas comunidades não são contraposições a projetos ou esquemas ideológicos ou eclesiásticos.

Os Movimentos e as novas comunidades são verdadeiros dons do Espírito. Sua força está no carisma que receberam de Deus para, na Igreja e com a Igreja, propor de forma positiva aos homens do nosso tempo uma experiência real com a pessoa viva de Jesus Cristo. Esta experiência nos dá a alegria de ser cristãos, a necessidade de pertencer à Igreja e de vivenciar os Sacramentos. Ela gera comunidades cristãs autênticas, com laços de amor e fraternidade, nos faz descobrir a força da Palavra de Deus e da oração, o amor e o serviço aos Pobres (materiais e morais) e nos impulsiona a Evangelizar.

Tarefas das Novas Comunidades e Movimentos Eclesiais como sujeitos da Nova Evangelização:

Pela diversidade e quantidade de movimentos e novas comunidades nascentes e presentes na América Latina, fica difícil esgotar o tema das tarefas desta “primavera da Igreja”. Pensei em dar algumas colaborações e pistas:

a. Ser fiel ao carisma original colocando-o a serviço de toda a Igreja.

Um carisma é um dom de Deus, que dever ser acolhido, vivido e exposto para ser discernido pelas autoridades competentes da Igreja, colocando-o assim a serviço dela. Como nos disse João Paulo II:

“Cada movimento se submeta ao discernimento da Autoridade competente. Por esta razão, nenhum carisma dispensa da referência e submissão aos Pastores da Igreja” (Vigília de Pentecostes 98).

Ser o que somos, em fidelidade ao carisma original, não é só um serviço ao movimento ou comunidade, mas também à própria Igreja, já que este dom “só é dado para o bem comum, isto é, em benefício de toda a Igreja!” (João Paulo II). Colocados a serviço da Igreja, estes carismas geram autênticos discípulos e missionários de Cristo. Uma geração cuja meta é a santidade.

b. Cultivar e transmitir a experiência com a pessoa viva de Jesus Cristo

Uma das características de um movimento ou nova comunidade é transmitir e cultivar, com características e métodos próprios de seu carisma, uma experiência atraente e amorosa com a pessoa viva e vivificante de Jesus Cristo. Esta experiência é contagiante e aglutina pessoas que desejam, a partir delas, viverem sua pertença à Igreja.

A evangelização do nosso continente entra em uma fase decisiva. Além do avanço galopante do secularismo, da indiferença religiosa, enfrentamos o grave fenômeno do crescimento das seitas. No coração de muitos ainda ecoam as Palavras do Cardeal Hummes no último Sínodo da Eucaristia:

Até quando a América Latina será um continente católico? A resposta que ele mesmo sugeria e que o documento de participação também nos aponta é uma “grande missão continental” (cfr. par. 173). Não se trata de uma cruzada, mas de cumprir com alegria o dever de anunciar Cristo aos nossos povos.

A primazia do anúncio kerigmático, da experiência pessoal com Jesus Cristo é comum nos movimentos e comunidades. Somente em seguida lhes propomos um caminho de seguimento evangélico com todas as conseqüências da moral cristã. É um principio chave a primazia do anúncio do kerigma.

A presença destes nos variados segmentos da sociedade, desde os mais populares até aqueles chamados “construtores da sociedade” (Ecclesia in America, 44), são de uma importância inestimável para responder ao apelo de gerarmos uma rede de discípulos e missionários de Cristo em todo o tecido da sociedade da América Latina.

Em meio às inúmeras tarefas da Evangelização gostaria de particularmente salientar um aspecto:

Parresia: palavra grega usada no Novo Testamento que significa ousadia, audácia, intrepidez, destemor no anúncio de Cristo, se necessário enfrentando até o martírio. A parresia, dom do Espírito, gera um amor inflamado e compassivo para anunciar a uma multidão de jovens, famílias, homens e mulheres que sofrem por desconhecer a felicidade que é Cristo.

Com parresia vai-se ao encontro das pessoas onde elas vivem, convivem, trabalham, sofrem ou se divertem, e com criatividade de meios e linguagem, apresenta-se a feliz verdade de Cristo e da Igreja.
Precisamos ter ousadia e audácia para abordar os “Tomés” do nosso tempo que estão longe da Igreja e não acreditam que Jesus está vivo.

Estes, ao verem, ouvirem e tocarem o discípulo, vêem, ouvem e tocam o próprio Cristo Ressuscitado e recebem o choque da sua Ressurreição tornando-se pessoas de perfeita fé, capazes de exclamar: “Meu Senhor e meu Deus” (Jo 20,28).

Não tenhamos medo de anunciar explicitamente a pessoa de Jesus Cristo!
Temos descoberto que a melhor resposta ao desafio da secularização se chama “Parresia”: Apresentar com audácia Cristo!

c. A formação integral e os itinerários de educação na fé

Outra característica destes Movimentos e Novas Comunidades é oferecer aos seus participantes um caminho ou itinerário de crescimento e amadurecimento em Cristo. Fazer que a nossa formação persiga sempre aquele objetivo da formação integral do discípulo (no plano espiritual, humano, doutrinal, social e apostólico) é uma tarefa inesgotável.

Como vimos estes dias estes processos formativos e educativos têm faces diversas. Entretanto, o que chama atenção é que o fio comum que os une, é o empenho sincero de fidelidade incondicional ao Magistério da Igreja. Isto é uma resposta providencial a um tempo marcado pelas ondas do relativismo que também agitaram “a pequena barca do pensamento de muitos cristãos”. (Cardeal Ratzinger, homilia de abertura do Conclave).

O fato de que tais processos formativos ou educativos tragam elementos e pedagogias diferenciadas, permite que atinjam pessoas com sensibilidades distintas, despertando e atingindo uma multidão de fiéis, como nos lembrava João Paulo II:

“Como é grande, hoje, a necessidade de personalidades cristãs amadurecidas, conscientes da própria identidade batismal, da própria vocação e missão na Igreja e no mundo” (Vigília de Pentecostes 98).

É admirável a contribuição que os movimentos e as novas comunidades, têm dado para ajudar a construir na Igreja aquelas “autênticas « escolas » de oração (NMI 33)”. Sem corações apaixonados por Cristo, será impossível fazer surgir uma nova geração de discípulos e missionários de Cristo.

d. Ser celeiros de vocações cristãs maduras

Um grande fruto destes movimentos e novas comunidades é que são celeiros de vocações cristãs maduras.
Neles vemos surgir matrimônios com forte e concreto testemunho de amor e abertura à vida, serviço à sociedade e grande disponibilidade na missão da Igreja.

Da mesma forma, onde existe uma experiência autêntica com Cristo surgem saudáveis e sólidas vocações sacerdotais e para vida consagrada. São abundantes estas vocações nestes ambientes. Cabe aqui, como tarefa, multiplicar o empenho no despertar e apoiar estas vocações, em favor das grandes necessidades da missão.
Em alguns movimentos, mas mais especialmente nas novas comunidades, encontramos os diversos estados de vida unidos em uma mesma vida comunitária. Isto traz um grande enriquecimento do ponto de vista humano, espiritual e missionário, pois torna mais visível a beleza da complementaridade dos estados de vida no mistério da Igreja, além de se constituir em um extraordinário impulso para a missão evangelizadora.

e. “A Revolução do Amor” e a “Fantasia da Caridade”

Vivemos em um continente marcado por desigualdades econômicas escandalosas, violência e insegurança. Tudo isto conjugado a uma baixa qualidade dos valores éticos e morais na vida pública.

Uma das características destes novos carismas é irradiar a sua ação na sociedade, colaborando assim para a construção de um mundo marcado por Cristo.

Foi impressionante ver nestes dias como os carismas irradiam-se na caridade de Cristo de maneira concreta e criativa na vida das pessoas e da nossa sociedade. Entretanto torna-se urgente multiplicar esta tarefa!

Gerar na força dos carismas, personalidades cristãs maduras, competentes e coerentes, que assumam o histórico e necessário compromisso de levar a verdade de Cristo para as realidades mais desafiantes do nosso continente, seja no campo da vida, da família, da juventude, da educação, dos meios de comunicação, da cultura, da economia, da política, da justiça e da Paz. Isto não com a força das ideologias, seja do passado ou do presente, e sim com a potência da graça que brota do Evangelho para produzir aquilo que o Papa Bento XVI chama de “a revolução do amor”.

Conjugado a isto e diante das feridas sociais e morais do nosso continente, urge também multiplicar o que já existe e criar novas ações no tecido das obras caritativas da Igreja. Os carismas se encarnam nas realidades onde estão inseridos. Por isto na América Latina necessitamos ser cada vez mais criativos para contribuirmos ainda mais com a “fantasia da caridade” no nosso continente. Falando dos agentes desta fantasia, Bento XVI nos lembrou:

“Devem ser pessoas movidas antes de mais nada pelo amor de Cristo, pessoas cujo coração Cristo conquistou com seu amor, nele despertando o amor ao próximo” (Deus Caritas est, 35)

f. Os Movimentos e as Novas Comunidades e os Pastores

Acolhimento e Paternidade

Em relação ao pastoreio dos Bispos os movimentos e novas comunidades esperam um acolhimento de paternidade e benevolência, a valorização da identidade do carisma na sua Igreja Particular, a largueza de espírito diante das tensões normais que o novo e a profecia que cada carisma é portador podem produzir.

Pedimos que nos ajudem a viver o nosso carisma em cada Igreja local e quando necessário nos corrijam para que, com obediência, em tudo possamos favorecer a comunhão.

Para que isto seja real e frutuoso é muito importante que os Pastores possam conhecer melhor os novos carismas que se encontram nas suas dioceses, evitando o risco tão comum de juízos que não são fruto do contato direto e pessoal com estas novas realidades. Isto se faz ajudando também a formar, sobretudo nos párocos, uma comum atitude de acolhida na comunhão.

Como Movimentos e Novas Comunidades esperamos usufruir daquele espaço de liberdade que todo carisma precisa para crescer e frutificar, sendo valorizados pelo que são e pelo que eles podem efetivamente contribuir para a edificação da Igreja Local, evitando enquadramentos pastorais rígidos, que, antes de ajudar, podem sufocar sadias novidades para a Igreja local, conforme nos lembra o Vaticano II falando do papel dos leigos:

“Abram-lhes, pois, todos os caminhos para que, segundo as suas forças e as necessidades dos tempos, participem também eles, ardorosamente, na tarefa salvadora da Igreja” (LG 33).

O caminho de comunhão com as estruturas ordinárias de uma diocese tais como paróquias e pastorais exige dos movimentos ou comunidades um empenho de humildade e colaboração, contribuindo assim para a renovação destes meios. Do lado inverso é necessário abertura e valorização dos carismas naquilo que eles podem contribuir e renovar. “Expressando, na prática, seu caráter de Comunidade de comunidades e de movimentos” (Docum. de participação, 36)

Além disso, creio ser preciso compreender que estes carismas, suscitados para novos tempos, trazem meios e métodos que por vezes vão além das estruturas ordinárias, atingindo pessoas e ambientes que jamais seriam alcançados. Para “vinho novo”, são necessários “odres novos”.

Espaços de comunhão

Além dos tradicionais e saudáveis instrumentos de comunhão que existem nas Igrejas Locais, temos testemunhado por iniciativa de alguns bispos, experiências inovadoras, como a criação de espaços de comunhão que reúnem estas novas realidades e que são respostas ao apelo do “testemunho comum” do Pentecostes de 98.

Eles nos ajudam a cultivar uma “espiritualidade de comunhão” (NMI 43) descobrindo a riqueza e a complementaridade dos outros carismas, evitando assim a tentação da auto-referência ou do fechamento, favorecendo um colocar a serviço da Igreja Local sua riqueza carismática, formativa e missionária.

Confiando-nos a Nossa Senhora Aparecida

Para finalizar, invoco Nossa Senhora Aparecida. As redes daqueles pobres pescadores do vale do Paraíba, apesar de árduos trabalhos, não produziam a pesca necessária. Depois que seus braços cansados retiraram com suas redes, do leito estéril do rio, a imagem da Virgem Aparecida, estas mesmas redes reproduziram o milagre da pesca milagrosa.

Por isto, também nós, discípulos e missionários de Cristo hoje, a ti invocamos, oh Virgem Aparecida. Que vás à nossa frente, a fim que as nossas redes lançadas produzam uma magnífica e milagrosa Nova Evangelização em nosso sofrido e amado Continente.