Somente as «pessoas» são capazes de pronunciar
tais palavras; apenas elas conseguem viver «em comunhão» sobre a base da
escolha recíproca, que é, ou deveria ser, plenamente consciente e livre. O
livro do Gênesis, ao falar do homem que deixa o pai e a mãe para se unir à sua
mulher (cf. Gn 2, 24), põe em evidência a opção consciente e livre que
dá origem ao matrimônio, tornando marido um filho, e esposa uma filha. Como
entender adequadamente esta escolha recíproca, se não se tem presente a verdade
plena da pessoa, ou seja, do ser racional e livre? O Concílio Vaticano II fala
da semelhança com Deus, usando termos muito significativos. Ele faz referência
não apenas à imagem e semelhança divina que todo o ser humano já possui
enquanto tal, mas também e sobretudo a «uma certa analogia entre a união das
pessoas divinas entre Si e a união dos filhos de Deus na verdade e no amor»
(13).
Esta
formulação, particularmente rica e sugestiva, confirma sobretudo o que decide a
identidade íntima de cada homem e de cada mulher. Tal identidade consiste na
capacidade de viver na verdade e no amor; melhor ainda, consiste na
necessidade da verdade e do amor qual dimensão constitutiva da vida da pessoa.
Essa necessidade de verdade e de amor abre o homem quer a Deus quer às
criaturas: abre-o às outras pessoas, à vida «em comunhão», em particular, ao
matrimônio e à família. Nas palavras do Concílio, a «comunhão» das pessoas, em
certo sentido, deriva do mistério do «Nós» trinitário e, por conseguinte,
também a «comunhão conjugal» deve ser referida ao mesmo mistério. A família,
que tem início no amor do homem e da mulher, dimana radicalmente do mistério de
Deus. Isto corresponde à essência mais íntima do homem e da mulher, à sua
constitutiva e autêntica dignidade de pessoa.
No
matrimônio, o homem e a mulher unem-se entre si tão firmemente que se tornam —
segundo as palavras do livro do Gênesis — «uma só carne» (Gn 2, 24).
Homem e mulher por constituição física, os dois sujeitos humanos, apesar de
somaticamente diferentes, participam de modo igual na capacidade de viver
«na verdade e no amor». Esta capacidade, característica do ser humano
enquanto pessoa, tem uma dimensão conjuntamente espiritual e corpórea. É
através do corpo também que o homem e a mulher estão predispostos para formarem
uma «comunhão de pessoas» no matrimônio. Quando, em virtude da aliança
conjugal, eles se unem de tal maneira que se tornam «uma só carne » (Gn
2, 24), a sua união deve-se realizar «na verdade e no amor»,
pondo assim em evidência a maturidade própria de pessoas criadas à imagem e
semelhança de Deus.
A
família, que daí deriva, obtém a sua solidez interior da aliança entre os
cônjuges, que Cristo elevou a Sacramento. Ela recebe a própria índole
comunitária, ou melhor, as suas características de «comunhão», daquela comunhão
fundamental dos cônjuges que se prolonga nos filhos. «Estais dispostos a
receber amorosamente da mão de Deus os filhos e a educá-los...?» — pergunta
o celebrante durante o rito do matrimônio (14). A resposta dos noivos
corresponde à mais íntima verdade do amor que os une. Assim a sua união, em vez
de os fechar em si mesmos, abre-os a uma nova vida, a uma nova pessoa. Como
pais, serão capazes de dar a vida a um ser semelhante a eles, não apenas «osso
dos seus ossos e carne da sua carne» (cf. Gn 2, 23), mas imagem e
semelhança de Deus, isto é, pessoa.
Ao
perguntar: «Estais dispostos?», a Igreja recorda aos noivos que eles se
encontram perante o poder criador de Deus. São chamados a tornar-se
pais, ou seja, a cooperar com o Criador no dom da vida. Cooperar com Deus no
chamamento à vida de novos seres humanos, significa contribuir para a
transmissão daquela imagem e semelhança divina, de que é portador todo o
«nascido de mulher».