O nosso mundo em crise econômica, política, ética,
social, relacional... - e cada um pode acrescentar outras áreas - precisa de
análises acertadas e de reconstrutores
confiáveis dos tecidos sociais e humanos, no presente dilacerados!
Como descrever, de forma icástica e realística, o
nosso mundo na sua globalidade molecular e caótica? Zygmunt Bauman, nos anos
passados introduziu a figura analítica do
mundo líquido! Neste mundo nenhuma instituição é firme, nenhum modelo de
comportamento é sustentado, cultural e eticamente, de forma compartilhada; o
futuro é incerto, a colocação social das pessoas é frágil e precária, a
insegurança existencial é ubíqua e universal. Tudo sempre em movimento, tudo ao
estado líquido, nada que se firme e
dê sustentação confiável aos indivíduos e às sociedades. Um mundo transitório,
sisífico, efêmero.
No ano de 2010, foi editado um livro póstumo de
Tony Judt titulado Ill Fares the Land.
Foi traduzido para o italiano com o título Guasto
è il mondo, que eu traduzo para o português com Mundo avariado! A imagem icástica de um mundo doente ou avariado é
muito sugestiva. E nos introduz quase que materialmente a olhar as engrenagens
que emperram ou que correm soltas sem produzir recaídas positivas no sistema
econômico, político e social.
Uma curiosidade literária ajuda a entender como
este nosso mundo, há séculos, corre com forte aceleração rumo ao abismo. De
fato, Judt titula o seu livro com uma epígrafe do escritor britânico Oliver
Goldsmith (sec.XVIII): “Avariado è o
mundo, vítima de males que se sucedem, onde a riqueza se acumula nas mãos de
poucos, enquanto a maioria dos homens caminha para a ruína”.
A tese de Judt é que o “individualismo” corroeu a
ética e a ordem do mundo ocidental, multiplicando as desigualdades econômicas
que estão na base de todas as demais desigualdades. Com a irrupção dos
“indivíduos” na cena econômica e política o sentido da sociedade solidária, do
bem comum, do regime democrático como governo
do povo pelo povo desapareceram do universo cultural e prático. Muitas
vezes temos a impressão de viver em sociedades que recaíram no “estado de
barbárie”, onde os homens se guiam pela força e pelos apetites individuais e
não pela razão política e ética. Nesta situação todas as desigualdades tendem
a se reproduzir e a se avolumar.
Para a salvação do nosso mundo se faz necessária
uma inversão de rota! Que fazer? é a
pergunta clássica que Judt repropõe. O que
fazer aponta para a necessidade de recolocar ao centro da atividade
política e da economia o “bem comum”, o bem de todos, a justiça, a equidade...,
isto é, dar um lugar visível ao terceiro valor proclamado pela Revolução
francesa: a fraternidade!
É preciso criar uma alternativa cultural ao neoliberalismo! Se aguçarmos a nossa
inteligência crítica e assumirmos a tarefa socrática da maiêutica das
consciências dos nossos concidadãos não teremos dificuldades a entender e fazer
entender que a desigualdade corrói as
sociedades e gera violência e insegurança para todos.
Neste nosso mundo, o que sobra da força do Estado é
invocado e orientado para defender as propriedades e as vidas dor ricos. Numa
sociedade desigual, os pobres e os ricos constituem duas categorias não
conciliáveis, ao menos que o Estado não assuma o seu papel histórico e jurídico
de defensor e promotor do bem comum: estado social (welfare state); regulação
do mercado do trabalho, das mercadorias e das finanças; sustentabilidade do
desenvolvimento; defesa e preservação do meio ambiente ... em suma, um Estado
que assuma o papel político que lhe compete institucionalmente.
Uma reforma intelectual e moral
que, como sustentava Antonio Gramsci, sirva de alicerce para a construção de um
novo homem e de uma nova sociedade! Se faz necessária uma utopia possível e
sustentável para salvar nosso mundo avariado!
Giuseppe Staccone