sexta-feira, 8 de junho de 2012

Mundo Avariado




O nosso mundo em crise econômica, política, ética, social, relacional... - e cada um pode acrescentar outras áreas - precisa de análises acertadas  e de reconstrutores confiáveis dos tecidos sociais e humanos, no presente dilacerados!
Como descrever, de forma icástica e realística, o nosso mundo na sua globalidade molecular e caótica? Zygmunt Bauman, nos anos passados introduziu a figura analítica do mundo líquido! Neste mundo nenhuma instituição é firme, nenhum modelo de comportamento é sustentado, cultural e eticamente, de forma compartilhada; o futuro é incerto, a colocação social das pessoas é frágil e precária, a insegurança existencial é ubíqua e universal. Tudo sempre em movimento, tudo ao estado líquido, nada que se firme e dê sustentação confiável aos indivíduos e às sociedades. Um mundo transitório, sisífico, efêmero.
No ano de 2010, foi editado um livro póstumo de Tony Judt titulado Ill Fares the Land. Foi traduzido para o italiano com o título Guasto è il mondo, que eu traduzo para o português com Mundo avariado! A imagem icástica de um mundo doente ou avariado é muito sugestiva. E nos introduz quase que materialmente a olhar as engrenagens que emperram ou que correm soltas sem produzir recaídas positivas no sistema econômico, político e social.
Uma curiosidade literária ajuda a entender como este nosso mundo, há séculos, corre com forte aceleração rumo ao abismo. De fato, Judt titula o seu livro com uma epígrafe do escritor britânico Oliver Goldsmith (sec.XVIII): “Avariado è o mundo, vítima de males que se sucedem, onde a riqueza se acumula nas mãos de poucos, enquanto a maioria dos homens caminha para a ruína”.
A tese de Judt é que o “individualismo” corroeu a ética e a ordem do mundo ocidental, multiplicando as desigualdades econômicas que estão na base de todas as demais desigualdades. Com a irrupção dos “indivíduos” na cena econômica e política o sentido da sociedade solidária, do bem comum, do regime democrático como governo do povo pelo povo desapareceram do universo cultural e prático. Muitas vezes temos a impressão de viver em sociedades que recaíram no “estado de barbárie”, onde os homens se guiam pela força e pelos apetites individuais e não pela razão política e ética. Nesta situação todas as desigualdades tendem a  se reproduzir e a se avolumar.
Para a salvação do nosso mundo se faz necessária uma inversão de rota! Que fazer? é a pergunta clássica que Judt repropõe. O que fazer aponta para a necessidade de recolocar ao centro da atividade política e da economia o “bem comum”, o bem de todos, a justiça, a equidade..., isto é, dar um lugar visível ao terceiro valor proclamado pela Revolução francesa: a fraternidade!  
É preciso criar uma alternativa cultural ao neoliberalismo! Se aguçarmos a nossa inteligência crítica e assumirmos a tarefa socrática da maiêutica das consciências dos nossos concidadãos não teremos dificuldades a entender e fazer entender que a desigualdade corrói  as sociedades e gera violência e insegurança para todos.
Neste nosso mundo, o que sobra da força do Estado é invocado e orientado para defender as propriedades e as vidas dor ricos. Numa sociedade desigual, os pobres e os ricos constituem duas categorias não conciliáveis, ao menos que o Estado não assuma o seu papel histórico e jurídico de defensor e promotor do bem comum: estado social (welfare state); regulação do mercado do trabalho, das mercadorias e das finanças; sustentabilidade do desenvolvimento; defesa e preservação do meio ambiente ... em suma, um Estado que assuma o papel político que lhe compete institucionalmente.
Uma reforma intelectual e moral que, como sustentava Antonio Gramsci, sirva de alicerce para a construção de um novo homem e de uma nova sociedade! Se faz necessária uma utopia possível e sustentável para salvar nosso mundo avariado!

Giuseppe Staccone