segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Nossa Senhora, a Encarnação e as mulheres.



Alguém poderia objetar que esta [a igreja de Santa Maria Maior, em Roma] não é uma igreja dedicada à Natividade, e, portanto, uma igreja dedicada a Cristo, mas sim um templo mariano, a primeira igreja. Dedicada a Maria em Roma e em todo o Ocidente. Essa objeção indicaria, porém, que quem a formula não entendeu precisamente aquilo que é essencial, tanto na piedade Mariana da Igreja como no mistério do Natal. O Natal tem na estrutura interna da fé cristã, um significado muito particular. Não o celebramos da mesma maneira como se recordam os dias em que nasceram os grandes homens, porque a nossa relação com Cristo é também muito diferente da admiração que experimentamos diante dos grandes homens. O que interessa  neles é a sua obra: os pensamentos que pensaram e deixaram escritos, a arte que criaram e as instituições que nos legaram. Essa obra pertence-lhes, não procede das suas mães, pelas quais só nós interessamos na medida em que podem fornecer-nos algum elemento que contribua para explicar a obra mencionada.  Mas Cristo não conta para nós apenas pela sua obra, pelo que fez, mas sobretudo pelo que era e pelo que é, na totalidade da sua pessoa. Conta para nós de uma maneira distinta da de qualquer outro homem, porque Ele não é simplesmente um homem. Conta porque nEle a terra e o céu se tocam, e assim Deus se faz nEle tangível para nós como homem. Os Padres da Igreja denominaram Maria a terra santa da qual Ele foi formado enquanto homem; e o que é mais maravilhoso é que, em Cristo, Deus permanece para sempre unido a esta terra. 

Agostinho expressou certa vez este mesmo pensamento da seguinte forma: Cristo não quis um pai humano para manter visível a sua filiação com respeito a Deus, mas quis uma Mãe humana. "Quis receber em si o género masculino, e dignou-se honrar o feminino na sua Mãe... Se Cristo  homem tivesse aparecido sem enaltecer o género das mulheres, estas teriam que desesperar de si... Mas Ele honrou os dois, enalteceu os dois, assumiu os dois. Nasceu de mulher. Não desespereis, homens: Cristo dignou-se ser homem. Não desespereis, mulheres: Cristo dignou-se nascer da mulher. Ambos os géneros colaboram para a salvação, quer se trate do masculino, quer do feminino: na fé, não há homem nem mulher".

Digamo-lo de novo de outra maneira: no drama da salvação, não é que Maria tenha tido que desempenhar um papel para depois calar-se, como alguém cuja fala terminou. A Encarnação a partir da mulher não é um papel que se tenha  encerrado depois de um breve tempo, mas a estada permanente de Deus na terra, com o ser humano, conosco, que somos terra. Daí que a festa do Natal seja ao mesmo tempo uma festa de Maria e uma festa de Cristo, e é por isso que uma autêntica igreja dedicada ao Natal deve ser um templo mariano Nossa Senhora, Mãe que cura. Esta antiquíssima e misteriosa imagem a que os romanos chamam Salus populi Romani [salvação ou saúde do povo romano] é, segundo a tradição, a imagem que Gregório Magno levou em procissão pelas ruas de Roma no ano de 590, num momento em que a peste devastava a cidade. Quando terminou a procissão, cessou também a epidemia; Roma recobrou a saúde. O nome desta imagem quer dizer-nos: neste nome pode Roma, neste nome podem os  homens curar-se continuamente. Meditación para el tiempo de Navidad, em Humanitas, n. 1242 Desta figura ao mesmo tempo juvenil e venerável, dos seus olhos sábios e bondosos, olha-nos a bondade maternal de Deus. "Como alguém que é consolado pela sua mãe, assim eu vos consolarei", diz-nos Deus através do profeta Isaías (66, 13). O consolo maternal revela-nos plenamente Deus, sobretudo através das mães, através da sua Mãe. E quem poderia estranhá-lo?

Diante desta imagem, desaparece de nós a fatuidade, diluem-se as crispações da nossa soberba, o medo diante dos nossos sentimentos e tudo aquilo que nos faz adoecer por dentro. A depressão e o desespero nascem de que o âmbito dos nossos sentimentos está desordenado ou entrou em colapso. Já não vemos o que há de cálido, de consolador, de bom e salvador no mundo - coisas que somente podemos perceber com o coração -. Na frieza de um conhecimento que foi privado das suas raízes, o  mundo torna-se puro desespero. Daí que a aceitação desta imagem cure. Devolve-nos ao chão da fé e da condição humana, sempre que aceitemos a partir de dentro a sua linguagem, sempre que não nos fechemos a ela. [...] Esta imagem [...] ajuda-nos assim a desligar a fé do esforço da vontade e do entendimento e a situá-la novamente na totalidade do nosso ser. [...] Podemos abrir-nos de novo à proximidade da nossa Mãe sem medo de falsos sentimentalismos.

Cardeal Joseph Ratzinger