Bento XVI é um dos grandes teólogos que chegaram à Sé de
Pedro; um dos mais importantes pensadores da Igreja e do mundo nos últimos dois
séculos. Doutorou-se em Teologia com a tese "Povo e Casa de Deus na
doutrina da Igreja de Santo Agostinho" e lecionou a mesma ciência na
Universidade de Munique.
Em 1977, recebeu a sagração episcopal e escolheu como tema "Colaborador
da Verdade". Em 1981, foi nomeado, pelo então Papa João Paulo II, como
Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Publicou diversos livros e
artigos. Porém, a contribuição literária mais significativa que ofereceu à
Igreja foi sua participação na elaboração do Novo Catecismo da Igreja Católica.
Ele foi Presidente da Comissão encarregada da preparação do Catecismo
apresentando ao Santo Padre a finalização do trabalho.
Padre Paulo Ricardo Azevedo Júnior, mestre em direito
canônico pela Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma) e membro do Conselho
Internacional de Catequese (Coincat) da Santa Sé, descreve alguns aspectos
sobre o pensamento de Joseph Ratzinger acerca da fé, da razão e do mundo
relativizado.
O padre também define o motivo que torna Bento XVI um dos
personagens mais importantes na Teologia Católica e apresenta, segundo o
pensamento do Papa, um caminho para lidar com o problema do relativismo.
- O que faz Ratzinger ser
considerado o grande teólogo dos tempos atuais?
Padre Paulo Ricardo - Por causa da sua fé extraordinária e
da sua inteligência extraordinária. Ratzinger reúne as duas coisas.
Isso o faz
ser um grande homem: alguém de grande fé e fidelidade à fé da Igreja e um homem
de grande inteligência espiritual. Por exemplo, as homilias que ele produz.
Aquelas homilias são frutos de reflexões pessoais, ninguém as fez para ele, mas
ele mesmo as escreveu. Lemos as páginas por ele escrita e vemos uma
inteligência extraordinária que aquece o coração e faz você se deter diante de
um parágrafo e dizer: eu nunca pensei isso, mas é nisso que eu creio. Isso o
faz ser um grande teólogo.
- Qual o discurso de Ratzinger
acerca da fé e seu relacionamento com a ciência?
Padre Paulo Ricardo - O convívio mútuo em que a fé e razão
caminham juntas é algo que Joseph Ratzinger sempre chamou a atenção. Ele faz
questão de lembrar que existe um compromisso fundamental do cristianismo com a
racionalidade desde o seu início. Por quê? Assim como no Antigo Testamento, os
profetas tiveram que desmitificar os deuses falsos através da pregação
profética, também no mundo grego, os filósofos desmistificaram os deuses pagãos
através da crítica filosófica. Então, Ratzinger sempre viu que existe um
paralelo entre aquilo que os profetas fizeram no Antigo Testamento e aquilo que
os filósofos fizeram na Grécia. É a mesma coisa, através de instrumentos
diferentes. Ambas serviram para preparar o Evangelho.
Fé e razão caminharam juntas no início nos primeiros séculos
do cristianismo. A ruptura se deu no final da Idade Média e início da Idade
Moderna, com o protestantismo. Na verdade, foi Lutero quem dividiu fé e razão.
Quando Lutero rejeitou a Teologia Católica ele, de alguma forma, decretou que a
fé era algo irracional, era puro sentimento e que não havia nenhuma
racionalidade nela mesma. E foi a partir da Revolução Protestante que se deu
esse estranhamento entre fé e razão e que foi crescendo cada vez mais, ao ponto
de chegar à situação que temos hoje. Mas, nós católicos tivemos uma longa
experiência, de mais de mil anos, de convívio harmonioso entre fé e razão.
Ratzinger crê perfeitamente que este convívio pode
continuar. Tanto que, no famoso discurso que fez em Regensburg, ele convidou as
religiões a se sentarem à mesa para que pudessem discutir racionalmente uma
forma de conviver pacífica, sem que um tivesse que destruir o outro. Ratzinger
sempre insistiu muito no fato de que a fé sem a razão fica cega e a razão sem a
fé enlouquece. Uma precisa da outra. São duas asas; tirando uma delas alguma
coisa de muito ruim pode acontecer.
- Como entender o mundo relativista
sob a ótica de Joseph Ratzinger?
Padre Paulo Ricardo - Quando falamos de relativismo, falamos
de idolatria, ou seja, é o homem que tomou o lugar de Deus. Uma coisa é
indiscutível: quem faz a verdade é Deus. Ele é o criador e faz aquilo que é
verdade. Quando o homem diz: a verdade quem faz sou eu, ele está se colocando
no lugar de Deus. Então, o que temos não é um mundo de incrédulos, mas um mundo
de idólatras. Ou seja, pessoas que não acreditam em Deus por que elas se
colocaram no lugar de Deus. Elas dizem: a verdade é aquilo que eu decreto. Deus
é uma realidade que não deixa minha vida intacta. Não adianta dizer: creio em
Deus, mas minha vida não muda. Não. Se Deus existe minha vida muda pelo avesso.
Se Ele existe, Ele é o meu Senhor e existo para Ele. É a revolta do homem que
diz: eu não posso suportar que exista um Deus.
Essa voz do homem moderno relativista foi expressa por um
filósofo ateu que diz: “Meus irmãos, vou falar-vos com franqueza: se os deuses
existissem como é que eu poderia suportar não ser um deus? Logo, os deuses não
existem!” Homem quer ser deus, mas como ele não consegue ser deus, decreta:
ninguém é deus. Com isso nós voltamos ao Politeísmo, onde existem vários
deuses. Neste caso, cada homem quer ser deus no lugar de Deus. Neste sentido,
precisamos mais uma vez daquela ação dos profetas e dos filósofos, precisamos
desmascarar por meio da fé e da razão aqueles falsos deuses que querem estar no
lugar do Deus Verdadeiro.
- Qual o caminho proposto pelo Papa
para lidar com o relativismo do homem?
Padre Paulo Ricardo - O problema, na verdade, não é de fé e
nem de racionalidade, é um problema de moral, de conversão. É o homem que deve
retomar ao seu lugar de criatura e deve servir ao seu Senhor, deve descer do
trono. O nosso mundo não vai se resolver se tiver que escolher entre a fé e a
razão ou se tivesse que lutar por um absolutismo ou relativismo. Na verdade, o
problema é que nós vivemos em um mundo sem coração, ou seja, um mundo que não
quer amar, não quer realizar aquele processo doloroso que é tirar a si mesmo do
centro para amar o outro. O homem se coloca no lugar de Deus, no centro de
tudo, por que não quer amar, não quer mudar seu coração.
Neste sentido nós encontramos a teologia de Joseph
Ratzinger. Ratzinger é um agostiniano, ou seja, ele foi fortemente influenciado
pela teologia de Santo Agostinho. E para Santo Agostinho as coisas se resolvem
sempre na realidade do amor. O amor é a alavanca que tudo move. Então, se nós
quisermos resolver o nosso problema de fé, razão e ditadura do relativismo o
que precisamos é nos reencontrar com o amor de Cristo. E isto Bento XVI
proclamou desde o início de seu pontificado quando lançou a encíclica “Deus
caritas est”. Como bom discípulo de Santo Agostinho, ele sabe muito bem que
tudo vai encontrar seu eixo no amor.
Padre Paulo pertence ao clero da Arquidiocese de Cuiabá; é autor de diversos livros e apresenta semanalmente o programa “Oitavo Dia”, pela TV CN. - Noticias.cancaonova.com