1)
Significado teológico e pastoral:
A Teologia da Libertação (TL) diz incluir inerente a ela, a situação
histórica e a realidade social dos povos latino-americanos. Aparece por causa
de uma situação pastoral comum e original na América Latina: a situação dos
pobres. Contudo, Igreja das América Latina não diz que essa teologia sirva
somente para este continente. É chamada a levar a sua contribuição para toda a
Igreja:
A TL acentua sua pregação na reflexão teológica sobre o sentido do
compromisso da Igreja e dos cristãos na justiça, na defesa da dignidade humana,
na libertação dos pobres e oprimidos, em ordem à evangelização. Por isso os
teólogos da libertação dizem que ela é um conjunto de práticas destinadas a
mudar a realidade, a transformar relações de dependência e de dominação. É uma
teologia de fé que age.
Leonardo Boff afirma que: a teologia da libertação nasce "de uma
indignação ética diante da pobreza e da marginalização de grandes massas do
nosso continente". Ainda Gustavo Gutiérrez acrescenta: "Neste
contexto, a teologia será uma reflexão crítica a partir de e a respeito da
práxis histórica diante da palavra do Senhor acolhida e vivida na fé".
Podemos afirmar que a TL tem um tríplice plano. Em primeiro lugar o plano
sociopolítico (libertação dos oprimidos): classes exploradas, raças
marginalizadas, culturas desprezadas. O segundo é o plano antropológico:
libertação para uma sociedade qualitativamente diferente, de dimensão humana. O
último é o plano teológico: libertação do pecado, raiz última de toda
injustiça e opressão, para uma vida de comunhão e participação.
2)
Antecedentes históricos
De acordo com a reconstrução histórica proposta por Enrique Dussel a
teologia latino-americana da libertação se enraiza na linha da teologia
profética da Igreja na América Latina, que encontrou expressão na teologia
não-acadêmica de valorosos missionários desde os primeiros tempos da Conquista
- a partir de 1511, ano em que se registra o primeiro grito crítico-profético
na América Latina, graças a Antonio de Montesinos, em favor dos índios contra
os exploradores coloniais, entre os quais devem ser também lembrados na
primeira geração de missionários teólogos: Bartolomé de las Casas, José de
Acosta, Bernardino de Sahagún. Nomes que aparecem na teologia prático-política
da época da emancipação neo-colonial no início do século passado, e que
reemerge vigorosamente na segunda metade do nosso século com a Teologia da
Libertação.
- Expoentes
- Eduardo Bonino
Nasceu na Argentina, em Nueve de Julio, a 3 de dezembro de 1920.
Ordenado como sacerdote em 1943. Em 1960 foi nomeado Reitor do seminário
Metropolitano de Vila Devoto, em Buenos Aires. Participou do Concílio Vaticano
II na qualidade de perito. Depois disso de bispo auxiliar de La Plata em 1964
foi subindo até que em, 1976 foi designado Cardeal e depois promovido a
Prefeito da Congregação dos Religiosos.
Sua principais obras são: La Iglesia que nace entre nosotros (1970) ,
e outros inúmeros escritos.
- Leonardo Boff
Nasceu a 14 de dezembro de 1938 no Brasil. Franciscano, fez seus estudos
filosóficos e teológicos em Curitiba e em Petrópolis. Completou seus estudos em
teologia dogmática na Europa, na Universidade de Munique (Baviera).
Suas principais obras: O Evangelho do Cristo cósmico (1971). Jesus
Cristo Libertador (1977). Eclesiogênese (1977), entre outros.
- José Miguez Bonino
Nasceu em 1924, em Santa Fé (Argentina). Após os estudos em Rosário,
prosseguiu na Faculdade Evangélica de Teologia de Buenos Aires e no Union
Theological Seminary (Nova York). Foi ordenado presbítero na Igreja Metodista
da Argentina em 1948. Desde 1954 é professor da Faculdade Evangélica de
Teologia, onde foi reitor de 1960 a 1969. Foi representante da Igreja Metodista
no Concílio Vaticano II.
Suas principais obras são Concílio abierto (1968); Integración humana y
unidad cristiana (1968), e outros.
- Helder Câmara
nasceu em Fortaleza, Ceará, a 7 de fevereiro de 1909. Foi ordenado
sacerdote em 1931; consagrado bispo em 1952. Participou ativamente no Concílio
Vaticano II, após ele foi enviado à diocese de Recife. Não escreveu obras
sistemáticas, mas deu inúmeras conferências.
4) A
teologia da libertação como uma crítica da sociedade Latino-Americana
4.1- A
teologia crítica
Não podemos fechar os olhos para a realidade de que a teologia da
libertação deu o primeiro passo para que assumíssemos a empreitada de
"fazer" uma teologia a partir da realidade da população
latino-americana. E já que ela tem a realidade latino-americana como uma de
suas fontes não poderia deixar de ser uma teologia crítica, diante das
situações de injustiça e violência contra a dignidade do ser humano. Porquanto
para os seus proponentes, o que se vê na sociedade latino-americana é uma
"violência institucionalizada", a qual é totalmente incompatível com
o reino de Deus, e por isso mesmo a Igreja não deveria se calar, ficar
indiferente. A teologia da libertação é uma teologia essencialmente crítica.
4.2- Uma
situação de pecado
A teologia da libertação não se fundamenta na comprovação da miséria e injustiça
em suas causas globais, mas contrário, traduz tal realidade em categorias
especificamente cristãs. Pondo-se no ponto de vista da fé e do plano salvador
de Deus, para a teologia da libertação esta situação é um pecado, é uma ofensa
a Deus. E como pecado se cristaliza nas estruturas sociais, econômicas,
políticas e culturais injustas e desumanas. Portanto a idéia de pecado assume o
centro de sua reflexão teológica.
A realidade deste pecado é um desafio à consciência da Igreja que fora
comissionada a proclamar a libertação ao ser humano de forma holística.
4.3- Uma
visão cristã da libertação social
Para a teologia da libertação a libertação social não consiste apenas em
mudar as consciências, em transformar os homens egoístas em altruístas; também
não consiste apenas em mudar as estruturas sociais, políticas, econômicas e
culturais, enfim não consiste numa revolução social. A proposta cristã da
teologia da libertação é que a mudança ocorra nos dois polos, isto é, tanto na
consciência como na estrutura. Dialeticamente, uma ajuda a outra, pois o ser
humano influi nas estruturas e estas nele, a um só tempo.
Sendo assim a tarefa da teologia da libertação é global, interior e
pessoal, e ao mesmo empo sócio-política, econômica e cultural.
5) Os
precursores da teologia da libertação
5.1- Richard
Schaull
Nasceu na Pensilvânia, USA em 1920. Em 1938 diplomou-se em sociologia e
foi para o seminário de Princeton, onde doutorou-se em 1950. Como missionário
atuou na Colômbia, Brasil e Nicarágua. Em 1953 começou a lecionar no SPS. Sua
atividade missionária na América Latina foi intensa e por isso mesmo é
considerado um dos precursores da teologia da libertação.
Suas principais obras são Oltre Le Regole del Gioco: Transformazione
Sociale e Liberazione umana, 1972 e Dibattito Sulla Teologia dela Revoluzione,
1970.
5.2- José
Comblin
Nasceu em 1923 em Bruxelas. Foi ordenado sacerdote em 1947, após ter
sido vigário cooperador numa paróquia em Bruxelas, em 1958 transferiu-se para a
América Latina onde lecionou teologia dogmática e pastoral em diversos
institutos e universidades. Sua produção literária é vastíssima, destacamos:
Théologie dela Révolution, 1970 e Théologie dela Pratique Révolutionnaire,
1974.
5.3- Rubem
Alves
Nasceu em Boa Esperança, MG, bacharelou-se em teologia no Seminário
Presbiteriano de Campinas, adquiriu o grau de mestrado e doutorado nos EUA.
Abandonou a Igreja Presbiteriana do Brasil em meados de 1971. Duas de suas
obras publicadas em inglês colocam-no como um dos precursores da teologia da
libertação, são elas: A Theology of Human Hope, 1969 e Tmorrow's Child, 1972.
6) Os
fundadores da teologia da libertacão
6.1-Gustavo
Gutiérrez
Nasceu em Lima no Peru em 1928. Estudou medicina por cinco anos e
abandonou o curso para estudar filosofia e teologia com vistas ao sacerdócio.
Em 1959 foi ordenado padre e no ano seguinte ingressou na Universidade Católica
de Lima como professor de teologia. Gustavo Gutiérez é considerado um dos
fundadores da teologia da libertação. Sua obra mais marcante foi: Teología de
la Libertación, 1971.
6.2- Hugo
Assmann
Nasceu no Brasil em 1933, onde estudou sociologia e filosofia e teologia
em Roma, atém de da sua formação em ciências sociais. Foi professor da
Universidade de Münster (Alemanha). A obra responsável por introduzí-lo como
fundadador da teologia da libertação foi: Teología desde la praxis de la
Libertacion, 1973.
- Os principais temas teológicos.
É importante estar ciente de que a teologia da libertação é antes de
mais nada uma teologia católica. Não nega, nem põe entre parêntese nenhum
dogma, nenhum ensinamento da Igreja. Sua contribuição, no conjunto da teologia,
é a elaboração teológica a partir da realidade histórica particular das Igrejas
na América Latina, especialmente a partir da experiência e do desafio que a
libertação propõe à fé cristã.
A contribuição dos teólogos aplica-se basicamente de duas formas:
aprofundam de maneira especial alguns temas que ajudam a dar resposta às
questões de libertação e evangelização e também põem em relevo algumas
dimensões , muitas vezes descuidadas, de outros temas da teologia.
Nas conferências de Medelín e Puebla, dois documentos primordiais foram
elaborados com o intuito de definir alguns temas da teologia da libertação.
A dimensão
salvadora do serviço ao pobre.
É uma das questões mais significativas, central na teologia da
libertação, que reflete a partir de um continente de pobres. A intuição
fundamental é que no cristianismo o essencial é o sentido do pobre, uma opção
pelos pobres, o serviço da libertação dos pobres. Isto constitui um critério
decisivo para Jesus em ordem a salvação.
A
importância do amor eficaz ou da práxis.
É a crítica a um cristianismo ideológico, corretamente doutrinal mas
cuja fé não se encarna na realidade, não se faz eficazmente histórica. Uma
cristianismo de muita ortodoxia mas de pouca prática.
As
libertações históricas como sinais da salvação de Deus.
É outra face do ensinamento tido como bíblico sobre o serviço libertador
do pobre. Se este serviço é salvador, também quando Deus salva sua salvação se
significará e experimentará nas autênticas libertações das opressões e
servidões históricas. Para ilustrar esta dimensão religiosa das libertações
temporais, muitos teólogos da libertação recorrem ao êxodo e aos milagres de
Jesus.
A libertação
a partir do exílio e do cativeiro.
Alguns falam de uma teologia do exílio ou do cativeiro, já que o
exílio-cativeiro dos judeus em babilônia serve de inspiração bíblica para
elaborar uma teologia libertadora para tempos de servidão sistemática. O exílio
serviu para interiorizar uma libertação concebida em termos excessivamente
temporais. Da mesma forma o exílio e a servidão ensinam o valor libertador da
solidariedade, da fraternidade, do serviço ao pobre.
A
antecipação do Reino de Deus.
O Reino que Jesus anunciou e inaugurou não é uma realidade reservada
somente para o céu. Este vai-se antecipando na terra, em cada homem na
sociedade, à medida que esta se humaniza. Não se trata apenas de comprovação, é
também uma tarefa, particularmente dos crentes, de trabalhar nos caminhos da
libertação humana, já que estes promovem e antecipam o Reino prometido, que
alcançará sua plenitude no céu.
A salvação
se faz na história.
No plano de Deus não há duas histórias paralelas, isto é, uma história
humana e outra da salvação. A história humana seria como um marco, uma ocasião
onde cada homem individualmente vai sendo fiel ou infiel à Lei de Deus, no
caminho da salvação ultraterrena. Por conseguinte a salvação dá-se na história
e somente dentro dela.
História,
escatologia e esperança.
Reivindicar o valor salvador das tarefas históricas é reconciliar a
escatologia com a história. A escatologia não são os acontecimentos que
sucederão no fim dos tempos; a escatologia é uma dimensão da mesma história,
vocacionada a prolongar-se além de si mesma no Reino de Deus definitivo. Se a
história pode salvar ou condenar é porque já é escatologia. Portanto, a
libertação já é escatológica, mas ainda não plenamente. É uma exigência sempre
possível, mas nunca completada. Vive ao mesmo tempo de realizações e de
esperança. A esperança é a fé nas promessas que Jesus nos fez.
Jesus Cristo
libertador.
A teologia da libertação não é horizontalista nem sociologista, porque
crê e apresenta Jesus como o único libertador definitivo e confiável. Jesus é
libertador porque é redentor do pecado por sua cruz e ressurreição. Jesus é
libertador porque, com sua redenção, é fonte das libertações humanas.
Ele está na raiz de todo processo histórico que arranca os homens das
injustiças e das servidões sociopolíticas e temporais, pois a raiz de toda
opressão é o pecado, e somente sua graça redentora é capaz de destruir esta
raiz. Somente Jesus ao se enxertar com sua cruz libertadora na raiz pecaminosa
da história, assume todas as dimensões da libertação humana. A libertação de
Jesus é a única libertação integral.
Espiritualidade
da libertação.
A espiritualidade da libertação enfatiza a humanidade histórica de
Cristo, Jesus de Nazaré. Encontra em sua vida e nas ações concretas e no meio
humano em que Jesus viveu, semelhanças históricas com a nossa realidade e com a
maneira de levar adiante a evangelização num mundo de pobres e marginalizados
que não perderam a esperança cristã.
Mons. Rhawy Chagas Ramos